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1. – INTRODUÇÃO | Verbatim 2. – O VELÓRIO DO TÓ GULA | A. Raposo 3. – JOGOS DE PODER | Detective
Jeremias 4. – O INTERROGATÓRIO | Arnes 5. – MAS, AFINAL, QUEM MATOU O TÓ GULA? | Inspector Boavida 6. – NÃO ATA NEM DESATA E COMPLICA-SE | Verbatim 7. – E O MISTÉRIO ADENSA-SE… | Rigor Mortis 7,5. – SETE E MEIO | A. Raposo 8. – A VIDA CONTINUA | Búfalos Associados 9. – FINAL | Zé |
EPISÓDIO 9. FINAL Zé
– Calma, meu
rebanho, calma! Tenho uma coisa que me diz que, dentro em muito pouco, o
sublime espírito da Nação virá à R.T.P. dizer-nos: “obrigado, portugueses … o Santa Maria está connosco”! A Micas do Cu
Grande ficou tão apardalada que não resistiu a pensar com os seus botões – eu
sei muita coisa do Padre Novena (e benzeu-se mentalmente); não sabia era que
ele tinha o dom da adivinhação … Será que a nobre alma anda a deitar as
cartas? Fez-se o
silêncio exigido pela degustação das palavras do mensageiro da Verdade.
Silêncio que só foi quebrado pela entrada desaustinada do Agente Faustino,
que berrou aquilo que ia estragar por completo a tarde de todos – A D. Isaura
está morta na casa de banho!!! Enforcadinha
da silva e mortinha toda, do cabelo aos sapatos! E, embalado pelo efeito das
suas palavras, Faustino não se calava – eu tinha visto a D. Isaura sair para
o sector das casas de banho e pensei … por falar nisso, também me está a dar
a vontade. Como está tudo a discutir, ninguém dará pelos barulhos produzidos
por um motor que está há três dias sem trabalhar. E assim foi.
Dei um minuto para a senhora se aliviar mas, como ela não se despachava e a
vontade apertava, lá fui eu também, antes que fizesse má figura em público. Sentei-me e
fiz força, no local onde até os cobardes a fazem. Nada! Ó sorte malvada… De repente,
comecei a ouvir uns barulhos estranhos na casa de banho das senhoras, que
terminaram com um uivo. Coitada da D. Isaura – o parto estava difícil, mas lá
saiu a criança… Eu é que tenho aqui uma operação do caraças
– deve estar atravessado, pois não sai nem recolhe para dentro. Esperei algum
tempo, pus-me de lado, de cócoras, só me faltou fazer o pino. Mas … Deus é grande! Saiu, irmãos e, depois das limpezas
necessárias, estou pronto para regressar ao convívio. Pensei eu… Quando passei
pela casinha das “leides”, vi que a porta estava,
ainda, fechada. Bati… nada! Chamei … rien de rien. Tentei entrar … porta fechada por dentro. Querem
vocês ver que a D. Isaura se sentiu mal? Tenho de actuar! Patada na
porta e … que vejo eu, meus amigos; sim, que vejo eu? O espanto, a
catástrofe, o horror – D. Isaura pendurada, pelo pescoço, na corrente do
autoclismo. Vi que estava morta, não mexi em nada (polícia é polícia, até num
WC) e vim dar a notícia… A Micas do Cu
Grande caiu redonda. Novena precipitou-se para ela mas Euclides foi mais
rápido, tendo-lhe feito uma placagem. Tão alta que merecia expulsão, mas as
razões eram compreensíveis – alto aí, senhor padre, bem me lembro da cena do
velório do falecido Tó Gula, com a própria D. Isaura. Trate o senhor das
almas que dos peitos da minha amada só trato eu ...
E não tenho tido reclamações. Novena sorriu e murmurou, entre dentaduras –
mal sabes tu da missa a metade…. Para aumentar
a confusão, a Tina Malhada (conceituadíssima prestadora de serviços no
famosíssimo “Ninho das Passarinhas”) começa a chorar e a gritar – a culpa é
minha! A culpa é minha! Novena elevou
as mãos ao céu e pensou – é tudo doido; tenho uma paróquia que é mais uma paródia
de malucos. Eu vou é chamar o meu sócio Tempicos, a
ver se ele me ajuda a arrumar esta casa de orates… Euclides
incitou Tina a falar. Atão, foi assim – a semana passada, Isaura foi ter comigo e
disse-me que, desde que falhara a sua segunda oportunidade de casar, nunca
mais tinha conseguido ter um órcastro ou óscarmo… ou lá como chamam vocês a isso, nem sozinha nem
acompanhada. Explica-te,
mulher, berrou-lhe a Graça do Bico… É aquela
coisinha muito boa, que começa cá em baixo e vai fazendo fernicoques
por aí acima, até acabar num berro que faz levantar um morto do caixão. Tás a
ver ou queres que diga tudo – ela ir, ia; mas vir, não vinha, topas? Eu tinha
ouvido um cliente dizer que, em casos desses, a falta de ar, um abafamento,
ajuda. E disse-lhe que era preciso muito cuidado, porque já se tinha ido
gente por causa disso. Cá para mim, ela enrolou a corrente do autoclismo à
volta do pescoço, foi-se dobrando para apertar, escorregou e ficou pendurada.
Mas, se ela deu o uivo, foi uma morte santa… – Qual santa…
berrou Novena. Não chames santa a uma morte em pecado. És uma blasfema! – Sou, sim,
senhor. Fêmea e bem fêmea! E o padre Novena sabe muito bem porque, no fim da
confissão, o senhor fica em pé e obriga-me a pedir-lhe, de joelhos e à sua
frente, a bênção. E está sempre pronto a dar-ma! Ora esta, faz uma mulher as
penitências que ele manda e ainda ouve disto… Tudo em
silêncio, excepto umas tossezinhas a disfarçar
sorrisos que não se deviam mostrar… Até que alguém
entra na sala pela porta do lado… Um homem
elegantemente vestido, bem nutrido e apessoado, uns Ray-Ban de ouro e três
acompanhantes dois passos atrás… – Já não me
conhecem? Tirou os
óculos, compôs uma poupinha no cabelo e disse – eu sou o Tó Gula! Ficou tudo
mudo, obviamente. Diria mesmo, petrificado. Nem a Micas do Cu Grande desmaiou
nem nada! – Vocês são
mesmo uns totós. Aceitaram que eu estava morto e pronto. E há por aqui gente
que tem a mania que percebe de mortes e crimes. Então não se lembram quando o
João da Bica me abraçou, no caixão, e eu fiquei saliente. É porque não tinha
o rigor mortis… Eu estava era
com a maior borracheira da minha vida. Caí, fiquei com ferimentos mas
continuei a dormir – em coma alcoólico, seus nabos! Não sei quem inventou as
facadas… Mas algum de vocês as viu? Silêncio. É que eu
andava metido nuns esquemas pouco apreciados e lá me simularam o funeral …
mas não me deixaram ser enterrado. Recordam-se
que fui para a polícia. Acordei, cheio de fome e sede … e vejo-me num caixão.
Dei o maior salto da minha vida!!! Como os polícias
estavam a fazer a sesta, saí nas calmas. O Quim Costa viu-me, ficou branco
como a cal, mas, homem esperto que era, logo percebeu tudo quando falámos. Eu
arranjo-te um lugar seguro (cama e mesa), roupa, mas tens de te disfarçar e
sair daqui muito depressa, ajudou ele. Três dias depois, bem disfarçadinho, fui dar uma
volta. Encontrei uma camone já entradota,
cantei-lhe o fado, fomos para o hotel dela. No dia seguinte, meteu-me no
cruzeiro por onde andava e legalizou a minha entrada, dias mais tarde, nos States, onde faço vida de marido amado por mulher muito
rica… Vim visitar,
pela última vez, os amigos, mas ninguém sai daqui nos próximos minutos, pois
tenho o edifício cercado, para evitar que alguém fale com quem não deve.
Daqui a uma hora já estarei num avião que me vai levar a outro que me
deixará, amanhã, no meu novo país. Claro que
tenho um nome diferente e não faço ideia de quem foi enterrado no caixão em
que estive e com o meu nome no registo. Alguém que convinha a alguém que
desaparecesse de vez sem se saber, obviamente. Se o Anjinho quisesse falar… Quanto ao Quim
Costa, morreu antes que eu conseguisse pôr em prática o plano preparado para
deixar bem quem me fez tão bem. Ter-se-á descaído a alguém sobre o meu filme,
que por si só iria fazer rolar algumas cabeças? Calaram-no, claro! Ai se o
Anjinho quisesse falar… Adeus, amigos,
fiquem bem. Recuperem a fala mas aconselho muita calma sobre a minha presença
– eles não perdoam. Isto vai fazer barulho, abafado, claro; mas foi também
para isso que vim – chatear quem já não me pode fazer mal… Bye, bye… E saiu, para sempre, de cena… Quanto aos
presentes na sala desta magia, enterraram a D. Isaura e continuaram a viver
felizes (ou não) na Rua das Trinas… FIM Fontes: Blogue Repórter de
Ocasião, 14 de Dezembro de 2025 O CASO (sério) DA
RUA DAS TRINAS, Edições Fora da Lei, Ano de 2018 |
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© DANIEL FALCÃO |
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