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1. – INTRODUÇÃO | Verbatim 2. – O VELÓRIO DO TÓ GULA | A. Raposo 3. – JOGOS DE PODER | Detective
Jeremias 4. – O INTERROGATÓRIO | Arnes 5. – MAS, AFINAL, QUEM MATOU O TÓ GULA? | Inspector Boavida 6. – NÃO ATA NEM DESATA E COMPLICA-SE | Verbatim 7. – E O MISTÉRIO ADENSA-SE… | Rigor Mortis 7,5. – SETE E MEIO | A. Raposo 8. – A VIDA CONTINUA | Búfalos Associados 9. – FINAL | Zé |
EPISÓDIO 4. O INTERROGATÓRIO Arnes
Quim apareceu
a vociferar, que devia estar era ao lado da mulher, para ver se recuperava, ou
se o Novena lhe estava a dar a extrema-unção. Ficara retido, logo ele que até
era sócio do Benfica, só que não tinha o cartão com ele. Anjinho de mau
humor, praguejou. – Sócio do
Benfica? Ninguém diria ao olhar para a sua cara. Esse olho diz-me que você é
do Belenenses, sente aí e comece por me explicar como é que arranjou esse
olho negro. Quim Costa
finalmente deu mostras de ser benfiquista, pois corou até às orelhas. – São assuntos
íntimos e particulares – disse em voz baixa. – Aqui não há
assuntos particulares – gritou Anjinho − bote cá para fora, ou quer que
pense que foi uma rixa com o falecido que o deixou assim? – Não, não. Eu
não o matei, eu conto. Estava eu com a minha Isaura a preparar-me para
dormir, quando lhe passei a mão nos seios, que estavam frios como sempre. Ao
ouvido sussurrei-lhe. Porque é que as tuas mamas estão sempre frias? As da
Adosinda estão sempre quentinhas. Foi num abrir
e fechar de olhos que o candeeiro a petróleo veio de encontro à minha cara e a Isaura começou uma gritaria com aquele
vozeirão que usava para promover o seu peixe. – Meu
ordinário, andas a apalpar a fruta dos outros? – Eu mulher?
Só tenho olhos para ti, quando consigo abrir os dois. – Diz-me que
sim. Andas armado em chicharro, quando não passas de um carapau. A Isaura
atirou-se para cima da cama em direção ao outro candeeiro e eu fugi porta
fora, pois ela era mestre no amanhar do peixe, mas também era craque no dardo
lá na associação. Na Rua,
encontrei o Tó Gula, sentado na soleira bêbado como um cacho, que ao ver-me
só de ceroulas, disse entre gargalhadas: − Eh carapau!! Voltei para
dentro e como a mulher se tinha fechado no quarto, deitei-me no sofá e
adormeci. De manhã levantei-me e fui trabalhar, antes que a patroa tivesse
outro ataque de fúria. No final do dia fui directo
para casa, pois estava cansado de explicar como tinha caído e batido com o
olho no canto da mesa, pois não podia dizer a verdade. Sabe como é, se
soubessem que foi a Isaura ia ouvir graçolas até ao fim dos meus dias.
Cruzei-me com o Tó, já na rua das Trinas, que entre risinhos voltou a dizer:
Eh carapau!! Não saí mais de casa e fui acordado de
manhã com os gritos de quem encontrou o corpo. Anjinho
franziu o sobrolho e perguntou. – Mas quem é a
Adosinda e como sabia você da temperatura corporal? Andava a tirá-la? – Nada disso,
sou fiel à minha Isaura, a Adosinda é a viúva.
Coitada tão nova e já desamparada. Quando ao final do dia, ia beber um copo e
saber das novidades à sede do União, ouvia regularmente o Tó a queixar-se,
que a cerveja estava sempre quente como as mamas da mulher. Era só por isso
que eu sabia. Quanto ao Tó a última vez que o vi estava vivo e bem vivo.
Apeteceu-me dar-lhe uns cascudos, pelos risinhos, mas contive-me. E agora, já
posso ir ver como está a minha mulher? – Você vai,
mas é voltar para o calabouço e só sai de lá, quando eu encontrar o culpado. Anjinho berrou
para que lhe trouxessem outro dos presos no velório e mandou levar de volta
Quim Costa. O polícia cumpriu a ordem, mas não sem antes perguntar a Anjinho
o que fazia ao morto e ao caixão, que estava arrumado na cantina e já parecia
deitar cheiro. – Metam o
morto num saco preto e entreguem-no ao Ministério Público ou ao raio que os
parta para que lhe façam a autópsia, já que o hospital mandou directamente o falecido para o velório. De seguida
entrou Zé Torres. Suava em bica enquanto tentava abrir o botão da camisa, que
estava preso pelo nó da gravata preta. Anjinho tinha ouvido dizer que este
trabalhava nas finanças, mas constava-se que também fazia umas escritas, onde
praticava a arte de fugir ao fisco. – Eu não sei
de nada inspector. A última vez que vi o Tó estava
bêbado como um cacho. Constava-se que quando estava desocupado, andava pela
rua e espreitar às portadas das janelas entreabertas para que entrasse a fresca,
que as noites andam quentes. Ouvi uns gritos que me pareceram ser da Isaura e
vim à janela pensando que tinha apanhado o sem vergonha, mas este estava
sentado na soleira e ria à gargalhada. Depois vi o Quim sair porta fora em
ceroulas e pensei que ia dar um biqueiro ao Tó. Mas não. Trocou umas palavras
com ele sobre peixe, virou costas e voltou a entrar. Eu voltei para a cama,
pois tenho dormido pouco, com as escritas que tenho que fazer. No dia
seguinte, mal dormido, fui trabalhar e cheguei a casa por volta das sete e
meia, pois tive que passar no mercado para recolher as contas das peixeiras.
Regressei na companhia da Isaura que me deu umas fanecas para o jantar.
Acompanhei-a até à porta de casa e depois eu próprio recolhi-me disposto a
jantar e a deitar cedo para tentar colocar o sono em dia. Só na manhã
seguinte acordei com os gritos e soube do sucedido. Anjinho mandou
levar o Torres de volta e que lhe trouxessem o Esticadinho. Este entrou de
semblante triste e entre fungadelas no lenço dispôs-se a dizer tudo que
sabia, apesar de ser muito pouco. – Vi o meu
irmão pela última vez, na tarde anterior a ser assassinado. Estava chateado
porque tinha ido falar com a Isaura. Segundo me contou, esta tinha tido um
desaguisado com o Quim e ele estava pronto a consolá-la, caso assim o
desejasse. Verdade seja dita, apesar de já ter sido mãe de duas filhas,
aquela mulher continua um pedaço de mau caminho. No entanto em vez de
consolo, a mulher ameaçou que lhe dava com o peixe-espada na tromba e
gritou-lhe, que fosse, mas é tomar conta da mulher, já que ela parecia andar
com falta de assistência. Ficara ofendido. Logo ele que aviava as camones que
lhe apareciam e ainda tinha forças para aviar um ou outro macho, desde que
lhe cheirasse a muitos dólares. Quando o voltei a ver, já estava estendido no
chão. Anjinho
dispensou a testemunha e mandou chamar Umbelina. Esta entrou anafada e com os
olhos brilhantes pronta a dizer tudo que sabia. – O Tó Gula era
um depravado. Com uma mulher tão linda e prendada em casa, andava sempre
atrás de um rabo de saia. O que vale à miúda, é o
Presidente do União, que a vem buscar para ela ir dar uns passeios. Entre a
vizinhança era conhecido pelo “sempre em pé”, disse enquanto se benzia 3
vezes. A cunhada Albertina ia sabendo das histórias, porque o homem fala
enquanto dorme e era cada uma pior que a outra. Todas as semanas me
confessava ao padre Novena, porque sentia que pecava só por ouvir. Sou uma
boa cristã a desejar fazer o bem ao próximo, por isso ouvia atentamente os
desabafos da cunhada, como uma penitência diária, para um dia o S. Pedro me
abrir as portas do céu. Um destes dias enquanto limpava a janela, ouvi o João da Bica a ameaçá-lo. Devia ser mais um
arranjo do Tó, pois o João disse-lhe que se acontecesse alguma coisa à
camarada que estava grávida, ele próprio lhe limpava o sebo. Quando repararam
em mim, calaram-se e foi cada um para seu lado. Noutro dia, pegou-se com o
Toino Coxo, disse-lhe que não tinha andamento para a Isaura a quem este
seguia com os olhos sempre que ela passava. O Toino estava com um grãozinho
na asa e reagiu mal à palavra andamento. Disse alto e bom som, que apesar de
só ter uma perna boa, ainda era bem capaz de o apanhar e lhe dar uma lição.
Quem sabe não foi ele a dar-lhe as facadas. O Quim também andava de candeias
às avessas com o falecido. Aliás acho que anda a olhar de lado para toda a
vizinhança. É bom homem, apesar daquele corpo gigante, é mais manso que um
gatinho. Mas desde que a mulher começou a subir as bainhas pelo joelho e
começou a usar as blusas tão apertadas que até se consegue ver os contornos
da combinação, começou a haver uns piropos, que incomodavam o Quim. E sabe
como é, até um bom homem, um dia cansa e faz coisas que mais tarde se
arrepende. Quem sabe não terá sido isso. Anjinho
suspirou: Isto estava bonito, mais parecia uma pescadinha de rabo na boca.
Andava às voltas e no fim regressava ao início, nada de novo. Mandou sair
Umbelina que com a excitação de estar sentada frente a um agente com farda,
se tinha mijado toda. – Puta que pariu a velha, exclamou! Resolveu fazer
outro intervalo, enquanto o estagiário de serviço limpava a cadeira e o chão,
molhados pelas águas da Umbelina. Daí a pouco
voltava aos interrogatórios. Fontes: Blogue Repórter de
Ocasião, 2 de Novembro de 2025 O CASO (sério) DA
RUA DAS TRINAS, Edições Fora da Lei, Ano de 2018 |
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© DANIEL FALCÃO |
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