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1. – INTRODUÇÃO | Verbatim 2. – O VELÓRIO DO TÓ GULA | A. Raposo 3. – JOGOS DE PODER | Detective
Jeremias 4. – O INTERROGATÓRIO | Arnes 5. – MAS, AFINAL, QUEM MATOU O TÓ GULA? | Inspector Boavida 6. – NÃO ATA NEM DESATA E COMPLICA-SE | Verbatim 7. – E O MISTÉRIO ADENSA-SE… | Rigor Mortis 7,5. – SETE E MEIO | A. Raposo 8. – A VIDA CONTINUA | Búfalos Associados 9. – FINAL | Zé |
EPISÓDIO 6. NÃO ATA NEM DESATA E COMPLICA-SE Verbatim
– Caluda! A partir
deste momento, quem abrir o bico sem a minha autorização vai dentro! Fiz-me
entender? A Graça do
Bico, que sentira na perna o afagar do Anjinho, não achou graça à referência
ao bico de cada um, sentindo-se um bico a dobrar, mas, pelo sim pelo não, ficou
de bico calado como todos os circunstantes. De seguida, e
antes de fechar a porta do gabinete, o Inspector
ordenou ao agente Faustino, com o tom grave de autoridade que o momento
aconselhava: – Acompanha
estas duas senhoras até à saída e traz-me o Sr. Euclides. Graça e Josefa
abandonaram o gabinete um tanto emproadas, satisfeitas com aquele respeitoso
tratamento final. Minutos depois, Faustino apareceu com o Sr. Euclides, a
quem mandou esperar um pouco para poder bichanar ao ouvido do Inspector: – O Barbosa, o
homem da casa de fados, pediu para depor em conjunto com o Euclides… – Nem penses
nisso, – atalhou Anjinho – já facilitei em ouvir aquelas duas em conjunto. Um
de cada vez. E vê se me descobres a Micas do Cu Grande, mas sem a assustares,
ouviste? Porque o Novena, diz-me aqui o mindinho,
não tarda aí afogueado com a Isaura a reboque. O sacana
deve ter estado a rebobinar o filme e a ver que os arranjinhos dele podem
estar em perigo – E olhando fixamente para o Faustino, falando com todo o
cuidado para não ser ouvido pelo Euclides, concluiu: – Como é que eu andei
tanto tempo sem topar o padreca? Raios me partam,
estou a perder qualidades! Desamparada a
loja e só com o Euclides em frente, Anjinho disparou: – Então, quem
são as bifas? – Quais bifas,
Sr. Inspector? Aqueles dois gosmas que andam
disfarçados de mulheres, a fingir que são da secreta só para mamar uns
almoços à borla? Já me apareceram lá no Bar do União para abichar um par de
cervejas todos os dias. Mandei-os dar uma volta. Conheço-os de ginjeira!.. – Conheço-os?
De onde é que os conhece? – Perguntou muito intrigado o Inspector. – São os dois
de Torres. Começaram, ainda rapazolas, a fazer de matrafonas
no Carnaval, jogaram nas reservas do Torriense e agora vivem de expedientes. – Isso não
quer dizer que não tivessem morto o Tó Gula? Essa gente do pequeno crime é
muitas vezes aliciada para fazer o trabalho mais sujo do grande crime. Já vi
que o Sr. Euclides está a par de muita coisa. Se não quiser arranjar
sarilhos, deite cá para fora tudo o que sabe… – E, reclinando-se na cadeira,
com luz nas costas a incidir na cara do interrogado, Anjinho rematou de modo
menos ameaçador: – Lembre-se que o seu contributo pode, no fim, ser muito
importante para a Nação. Euclides
engoliu em seco, tentou perscrutar a expressão do Inspector
escondida pela luz e, baralhado, acrescentou: – Só sei o que
lhe disse, eu seja ceguinho… Para mim aqueles dois o que querem é arranjar
uns “morfos” à borla. E, Deus me perdoe se estou
enganado, parece que também tentaram chular umas
raparigas, mas não tiveram sorte… O Sr. Inspector
sabe como é, aos vinte anos, nas reservas do Torriense, julgavam-se os
melhores do mundo… aquilo não resultou e, como não tinham aprendido um
ofício, deram com os burrinhos na água. Desanimado,
Anjinho despachou o Euclides e mandou chamar o homem da casa de fados. – Então Sr.
Barbosa, quem são as bifas? – Ó Sr. Inspector, eu acho que não passam de uns aldrabões
armados em polícia secreta para sacar dinheiro e refeições. Se fossem da
polícia secreta andavam para aí a dizê-lo a toda a gente? Anjinho teve
de concordar e admitir, a contragosto, que a pista das bifas não conduzia a
coisa de jeito. Mas animou-se quando o Faustino lhe veio dizer que a Isaura
queria depor. Perguntou pelo padre e soube que ele não tinha vindo. Voltou a
desanimar. A coisa estava
a correr mal: Tó Gula, o seu agente secretíssimo, era um homem morto e ele
ainda não sabia porquê. Para baralhar
ainda mais a situação, apresentou-se um Inspector
da Pide que exigiu uma conversa imediata com Anjinho. – Diga-me uma
coisa Sr. Inspector Anjinho, a que título é que
contratou o Tó Gula para lhe fazer uns trabalhinhos? E como é que lhe pagava?
E a quem é que comunicou a contratação? – Perante o ar estupefacto de
Anjinho, o homem da Pide concluiu com a seguinte ordem: – Fale com o seu
chefe sobre o assunto e comunique-me ainda hoje as suas conclusões. A coisa
está feia e o senhor é capaz de levar uma porrada de
todo o tamanho. Anjinho sentiu
o mundo a desabar, mas recompôs-se e ripostou: – Não recebo
ordens suas! Nem lhe vou transmitir o que quer seja sem ordem do meu chefe.
Registo, em todo o caso, a sua interpelação como Inspector
da Pide. E, agora, trate de abandonar estas instalações rapidamente! O Inspector da Pide acolheu as palavras do colega da
“Judite” com um sorriso malicioso, mas apressou-se a sair dali, sem prejuízo
de um olhar guloso para a Isaura. – Como é que
este estupor descobriu que o Tó Gula me dava informações? – Perguntou a si
mesmo o Inspector Anjinho. – E por que é que veio
ele falar comigo? Por que é que não foi o chefe dele a falar com o meu? Será
que é ele que está metido num sarilho e à beira de levar uma grandessíssima porrada? E perdido em
congeminações como estas acabou o Inspector Anjinho
por despedir o Barbosa para atender a Isaura, mas sem já saber o que lhe
deveria perguntar. – O melhor vai
ser deixá-la despejar o saco e só fazer perguntas no fim. Também tenho de ver
como lhe vou tirar a temperatura das mamas. – Murmurou, sem se aperceber que
Faustino podia ouvir alguma coisa. – Ó chefe, está a falar sozinho? O que é que lhe aconteceu? – Nada, nada.
É esta merda que não ata nem desata. Já me
desencantaste a Micas do Cu Grande? – Está ali na
sala de espera. E a Isaura pediu para ir à casa de banho. É a Isaura que
entra primeiro não é? – Sim, sim.
Ah! Caça-me também o cabrão do padre. Esse filho de
uma vaca não se dignou a aparecer e deixou vir a Isaura sozinha… E voltando às
suas profundas lucubrações começou a conjecturar: –
O padreca se calhar trabalha para a Pide e, enquanto
actuávamos, em vez de colaborar foi meter tudo no
cu do gajo que me veio visitar. E esse, se não estivesse à rasca, não teria
vindo aqui meter-me medo. Isto promete! Fontes: Blogue Repórter de
Ocasião, 16 de Novembro de 2025 O CASO (sério) DA
RUA DAS TRINAS, Edições Fora da Lei, Ano de 2018 |
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© DANIEL FALCÃO |
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