| Publicação: “Flama” Data: 28 de Março de 1958 II Torneio Nacional de Problemística Policiária Clube Literatura
  Policial 
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  TORNEIO NACIONAL DE PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PROBLEMA Nº 5 IMPOSTOR, OU TALVEZ NÃO Autor: Marvel, O Misterioso Mascarado Em todos
  os gestos, Carlos Alexandre denotava a preocupação que o consumia. O olhar
  carrancudo que dirigia a um sobrescrito branco, certamente a causa de todos
  os seus aborrecimentos, era a prova evidente de que algo fora do vulgar
  estava a acontecer. Por fim, já impaciente, inquiri, movido pela curiosidade: – Mas
  que te aconteceu? Como
  resposta, Carlos dirigiu-se à secretária e, com gestos que denotavam a sua
  excitação, tomou o sobrescrito que, em seguida, me entregou, dizendo
  laconicamente: – Lê. O rectângulo de papel branco nada tinha de especial, com excepção do seu conteúdo, verdadeiramente estranho: «Para
  lhe dar a conhecer a última vontade do seu falecido pai, peço-lhe que me
  receba hoje, pelas 5 e 30. José Cabral.» –
  Esquisito – comentei. – Mais
  do que isso. Muito estranho – redarguiu o meu interlocutor. E continuou: –
  Certamente desejas uma explicação e vou dar-ta. José Cabral era o secretário de
  meu pai que muito o estimava, no que era correspondido plenamente. Mas como,
  quando conheci esse homem, era muito pequeno, temo que me apareça um
  impostor, disposto a extorquir-me dinheiro. Deve estar a chegar.  Como em
  cumprimento das suas palavras, o mordomo anunciou o causador de todas as
  preocupações do meu amigo. Era um homem dos seus 40 anos, baixo e
  rechonchudo, cujo aspecto vulgar era o que mais
  sobressaía na sua figura. Adiantou-se timidamente, como sem saber que fazer.
  Notando isso, Carlos afirmou: –
  Chamo-me Carlos Alexandre Mendonça, e creio estar a falar com o Sr. Cabral, o
  antigo secretário de meu pai. Queira sentar-se e explicar o motivo da sua
  visita. Então o
  homenzinho entregou a Carlos um envelope lacrado, afirmando: – Eis a
  última vontade de seu pai. Carlos
  pegou no bilhete que o outro lhe estendia, e começou a percorrer com os olhos
  o conteúdo da página. Quando o
  bilhete passou para as minhas mãos li, cheio de curiosidade: «Meu
  filho Sinto
  que quando chegares já não terei vida para me despedir de ti. Por isso, o
  notário tem em seu poder uma carta, na qual te abençoo e peço que cumpras as
  minhas últimas vontades. Uma delas, a pedido do próprio beneficiado, não
  menciono no meu testamento, mas dou-ta a conhecer nestas minhas derradeiras palavras: Como
  sabes, José Cabral, o meu secretário (que escreve estas linhas a que no fim
  firmarei meu nome) foi para mim mais do que um amigo. A dedicação e
  solicitude com que sempre velou pela minha comodidade e bem-estar tornaram-me
  suportáveis os meus últimos momentos de sofrimento. Agora que sinto a morte
  aproximar-se, quis recompensá-lo, legando-lhe uma certa quantia no meu
  testamento, o que ele recusou. Às minhas instâncias apenas consentiu que eu
  passasse este documento, e nele te peço, Alexandre meu filho, que se algum
  dia José Cabral se vir em dificuldades financeiras lhe entregues a
  importância de… que então o recompensará pelos seus grandes favores e
  amizade. Adeus,
  querido filho. Parto deste mundo certo de que cumprirás os meus últimos
  desejos. Este é o último adeus de teu pai, que te abençoa.  António Mendonça» Dobrei
  lentamente o papel e devolvi-o a Alexandre, que, fitando o nosso interlocutor
  parecia pedir uma explicação. Compreendendo
  isso, Cabral, numa voz que parecia sincera começou: – Durante
  o tempo em que estive ao serviço do Sr. António Mendonça, consegui amealhar
  um pequeno pecúlio, que a grande generosidade do meu ex-patrão ia aumentando
  cada vez mais. Quando morreu, quis deixar-me um legado que eu recusei, visto
  que me considerava suficientemente recompensado e que com o dinheiro que
  juntara esperava montar um pequeno negócio que me auferiria para viver
  desafogadamente. – Então
  porque vem reclamar os seus direitos? – interrompi
  eu. O homem
  baixou a cabeça envergonhado, e explicou: – Então
  eu não pensava constituir família. Mas houve quem me fizesse mudar de ideias,
  de modo que fui obrigado a lançar olhos para horizontes mais largos, com o
  fim de fazer face ao aumento de despesa que a mudança de estado provocou. Os
  negócios de início correram-me bem, consegui mesmo uma pequena fortuna que,
  dando ouvidos a maus conselhos, investi em acções
  na Alemanha e no Brasil. Se conseguisse obter êxito nessa especulação,
  tornar-me-ia senhor de sólida fortuna. Mas eis que estalou a guerra e eu em
  menos de dois anos perdi tudo o que amealhara com tanto sacrifício. Fiquei de
  tal maneira arruinado que nem sequer me resta agora dinheiro para fazer o meu
  filho tirar um simples curso comercial. Além disso a minha mulher, quando
  nasceu o nosso filho, contraiu uma doença que, para ser combatida, necessita
  de muito repouso e remédios caros, coisas que eu não posso oferecer à minha mulher de maneira alguma. É inútil continuar.
  Espero que compreendam agora o motivo da minha visita. Quase
  insensivelmente, assentimos com a cabeça e não pudemos deixar de nos sentir
  comovidos com a infelicidade do homenzinho. Porém, estaríamos lidando com um
  refinado vigarista, um comediante sem escrúpulos? Não me parecia, mas no
  entanto… Entretanto
  Carlos, temendo tomar uma decisão precipitada, exclamou, virando-se para
  Cabral: – Queira
  passar amanhã por aqui, à mesma hora. Terei então a minha decisão tomada. Quando o
  homem se levantou e se despediu de nós notava-se perfeitamente nos seus
  gestos um certo alívio que nem Carlos deixou de notar. Quando o
  indivíduo saiu, virou-se para mim e inquiriu, ansioso: – Então?
   – Bem,
  eu acho que se lhe deres o dinheiro terás caído no conto do vigário… Concorda? Justifique
  a sua resposta. | |||||||||||||||||||||||||
| © DANIEL
  FALCÃO |  | |||||||||||||||||||||||||