22 de Março de 1957. É publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”, orientada por Jartur – curiosamente, por lapso tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”.

Domingos Cabral, com 15 anos completados recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos.

Sabendo, por isso, que era habitual o uso de pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um, acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido pelo Autor (Jartur), após resolver o caso, dirige–se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”… De qualquer forma, iniciou–se, assim, um longo caminho…

In Mundo dos Passatempos, 1 de Setembro de 2007

 

 

 

 

 

 

  

Correio Policial, 30 de Julho de 2021

 

 

 

PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a editar)

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2º PARTE – CICLO L. FIGUEIREDO

 

SECÇÃO “O LEITOR É SHERLOCK HOLMES?”

 

2º PROBLEMA: “O MISTÉRIO DA BARRACA ABANDONADA”

Nos fins do verão de 1927, a polícia de Lisboa recebeu denúncia anónima de que uma quadrilha de gatunos de bancos se reunia em certa barraca abandonada existente num dos arredores da cidade.

Apesar das precauções tomadas pela polícia, quando cercou a barraca encontrou-a abandonada. Os quadrilheiros tinham aparentemente sido prevenidos do assalto que se ia dar.

A barraca tinha um só compartimento e fôra abandonada há muito pelos seus proprietários, ficando com a mobília reduzida, como adiante se verá!

Pelos elementos que encontraram na barraca e que o nosso desenho mostra, deduziram os agentes de investigação, não só o número de bandidos que constituíam a quadrilha, como também as suas características individuais.

A mobília da barraca era constituída simplesmente por quatro cadeiras toscas, um caixote de madeira, uma mesa de pinho muito usada e alguma louça velha. Como indícios da permanência dos bandidos ali, encontraram-se no chão muitos fósforos de cera perto da mesa e atraz duma das cadeiras vinte fósforos amorfos, quasi completamente carbonisados.

No chão ainda e dentro das chávenas pousadas na mesa, havia cinco pontas de cigarrilhas, quatro de cigarros feitos à mão de tabaco Virgínia e uma ponta de charuto dos chamados "cortados".

As quatro cadeiras e o caixote estavam dispostos em torno das mesas, como se vê no esboço junto. Em uma das cadeiras havia um frasco de tintura de iodo quasi cheio e vários pingos do mesmo líquido no fundo dessa cadeira. O exame das chávenas mostrou que tinham servido a aguardente. No caixote notavam-se nitidamente uma dúzia ou mais de pequenas mossas cravadas na madeira mole divididas regularmente em dois grupos, distanciados em dois grupos, distanciados um do outro quinze centímetros e a vinte centímetros acima do sobrado.

A ponta do charuto a que nos referimos estava ao lado da chávena que na mesa se encontrava em frente do caixote.

Não havia vestígios de pégadas nem impressões digitais, mas os agentes conseguiram deduzir deste scenário as características dos hospedes da barraca, de que resultou a prisão da quadrilha.

 

 

Se o leitor tivesse tomado parte como detective nesta diligencia, que deduções faria? Como responderia às seguintes perguntas?

1 – Quantos bandidos constituíam a quadrilha?

2 – Quais as características de cada um, que os poderiam denunciar à polícia se esta os visse?

L. Figueiredo

* * *

SOLUÇÃO DO PROBLEMA:

1º – As quatro chávenas colocadas sobre a mesa mostram assim como os indícios de que a seguir se faz referência, que eram quatro os bandidos que se reuniram na barraca abandonada.

2º – O homem que esteve sentado na cadeira do primeiro plano, à direita do leitor quando olha a gravura, era alto e tinha uma ferida ou contusão no pé direito, que apoiou na cadeira, que está em frente e na qual se encontram o frasco e os pingos de tintura de iodo. Esta segunda cadeira um pouco desviada para a direita da primeira, mostra bem pela sua posição que a pessoa que se sentou na outra se serviu dela para descanso do pé!

A distância a que se encontram as cadeiras uma da outra dá-nos a certeza que se tratava de um homem alto, tendo-lhe o seu vizinho que se sentou na cadeira, que está na cadeira à esquerda do leitor, tratado a ferida do pé com a tintura de iodo para o que colocou o frasco na margem da cadeira que lhe está mais próxima. Este homem devia ser fumador de cachimbo a julgar pela grande quantidade de fósforos amorfos, quasi completamente carbonisados, que havia ao lado direito e atraz da sua cadeira. Os fumadores de cachimbo preferem os fósforos amorfos evitando assim que os pingos de cera dos outros fósforos caiam para dentro do tabaco e consumam quasi toda a madeira dos fósforos para conseguirem que aquele fique bem ateado.

O homem da cadeira do fundo era canhoto, o que é indicado pela posição da chávena com a asa voltada para a esquerda.

O homem que se sentou no caixote, tamborilando com o calçado numa das faces deste e produzindo-lhe as mossas na madeira mole, era extremamente baixo ou pelo menos tinha as pernas excepcionalmente curtas, como se vê pela distância das mossas à base do caixote, não podendo ser nem uma creança nem uma mulher, o que é atestado pela ponta do charuto "cortado" que se encontrava próximo da sua chávena.

* * *

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS 1ª E 2ª FASES DOS "PRIMÓRDIOS"

Uma análise comparativa (mesmo não exaustiva) efectuada entre as duas primeiras experiências da problemística policiária entre nós (os “50 Contos Misteriosos”, de Reinaldo Ferreira, que acabámos de reproduzir, e “O Leitor é Sherlock Holmes”, de L. Figueiredo, cuja reprodução também na passada semana iniciámos) põe em evidência diversos factores, convergentes e divergentes, que será interessante registar.

Começando pelos órgãos de informação que as divulgaram, dois dos, à época, maiores e mais prestigiados jornais nacionais: o “Primeiro de Janeiro”, nos "Contos" de Reinaldo Ferreira, e o "Diário de Notícias" (através de um seu suplemento), no segundo caso, sendo que “Janeiro” foram publicados 50 problemas (de facto 50 +1, como explicamos no número anterior) e 10 no Diário de Notícias.

Outra notável diferença consistiu no conhecimento público dos seus responsáveis: Reinaldo Ferreira disfrutava então de uma invejável e invulgar popularidade, em contraste com o ignorado L. Figueiredo – que, segundo se crê, se trataria de um pseudónimo criado para o efeito. Mas, sobre este aspecto, voltaremos, em breve, a falar mais desenvolvidamente.

Outra diferença, esta bastante significativa: os “Contos” eram completamente compostos por texto, sendo as suas soluções obtidas através da “desmontagem”, da interpretação daqueles. Por sua vez, os de L. Figueiredo careciam, para a sua decifração, da análise atenta dos desenhos/ilustrações que lhe serviam de base, fórmula utilizada em pelo menos três Secções posteriores - revista juvenil “O Mosquito”, no magazine “Detective”, suplemento da “Vida Mundial”, e na revista “Benfica Ilustrado”, nestes dois últimos casos com os desenhos e por substituídos por fotografias e por isso designados por Foto-Crimes.

Finalmente, por hoje – dado que voltaremos às comparações entre ambos – os registos de que “Os Contos” não tiveram as suas soluções publicadas na íntegra e registaram muitas centenas de concorrentes, e a secção de L. Figueiredo divulgava as soluções completas e contou com a participação de 150 concorrentes, cujos nomes e pseudónimos foram publicados no final do Torneio, o que não aconteceu no “Janeiro”.

(Continua)

   

 

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Fontes:

Secção Correio Policial, 30 de Julho de 2021 | Domingos Cabral

Blogue Repórter de Ocasião, 15 de Novembro de 2025 | Luís Rodrigues

 

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