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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 9 de Junho de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 43 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 49 O SEGURO DE 400.000$00 Nos princípios do ano da graça de 1919, Portugal
sofreu a invasão subtil das gentes cosmopolitas – peças soltas e
desaparafusadas pela guerra aos engenhos da Grande Existência e da Grande
Aventura e que, girando pelos ares, se espalharam pelo mundo. Surgiram então
russos, alemães, franceses, turcos, búlgaros, húngaros, egípcios, com
passaportes mais ou menos falsificados; com nacionalidades mascaradas; e com projectos suntuosos de emprezas
comerciais que deviam rasgar, no céu, as nuvens prenhes de oiro. A historia a que nos
vamos referir desenrolou o seu primeiro episodio nesse pitoresco ano… Uma
tarde, na Companhia de Seguros “Garantia”, aparecia um cavalheiro, que novo
devia ser, embora o seu aspecto, de gasto, pudesse
parecer envelhecido. Embranquecido, com uma precoce calvice
a desenhar-lhe meia lua, olheiras enormes, olhos que
deviam ser brilhantes mas que as pálpebras, cançadas,
semi-velavam. Contudo, adivinhava-se ainda nele uma
juventude de apolonia beleza. Vestia com sóbrio rigor dum banqueiro londrino.
Nos dedos refulgiam anéis de preço… – O que queria – perguntaram-lhe. Viera atraído
pela boa fama da Companhia fazer o seu seguro de vida – um seguro no valor de
quatrocentos mil escudos em favor de sua sobrinha… O seu nome? Amleto Condi… Nacionalidade? Italiana… Estado? Solteiro.
Profissão? Comerciante... Residência? Portugal, desde principio
da guerra… Morada? Um palacete na Avenida da Boavista… Idade? Quarenta e nove
anos. Acharam-no, apesar de tudo… beneficiado, na aparencia, á idade declarada… Hesitaram – e perguntaram-lhe o nome da sobrinha
para quem era feito o seguro: Tina Condi. Vieram os documentos. Os informadores da
Companhia certificaram-se que, de facto, num palacete da Avenida da Boavista
vivia o comerciante italiano Amleto Condi, com
credito na praça e tido por boa pessoa… Os médicos auscultaram-no; apalparam-no;
transparentaram-no… Um organismo um pouco fatigado – mas sem molestias ameaçadoras. Foi-lhe concedido o seguro – e no
momento da assinatura os empregados da “Garantia” notaram que Amleto Condi, canhoto extravagante, rabiscava o seu nome
entalando a caneta entre o dedo mínimo e o anelar da mão esquerda… * * * Dois anos depois todos os jornaes
do Porto anunciavam a morte do comerciante Amleto
Condi… Houve um momento de surpreza! De que morrera
o italiano? Os médicos que tinham assistido aos seus ultimos
momentos afirmavam que ele fôra fulminado por uma
adiantadíssima lesão cardíaca. Três dias depois apresentou-se na Companhia a
sobrinha de Amleto Condi… Era jovem, esbelta,
elegante e a negrura do luto realçava o oiro vivo da sua cabeleira
veneziana. Apresentou documentos - e a Companhia pagou, sem
hesitar, os quatrocentos mil escudos do seguro. No momento de assinar o
recibo, a Signorina Tina Condi entalou a caneta
entre o dedo mínimo e o anelar da mão esquerda - e assim rabiscou o seu nome… * * * A direcção da Companhia
extranhou aquela velha doença que fulminara o
segurado e que não constava no exame médico… Chamou um “detective”
para tactear aquele mistério. Chamados os clínicos
– tres eram os que tinham observado o italiano –
todos garantiram que o coração do Amleto era sólido
e regular como um bom relógio… O “detective”
entrevistou depois os assistentes que tinham acompanhado o comerciante nos
últimos dias da crise. Juraram sobre a sua honra que o Amleto
tinha falecido victimado por uma adiantadíssima
lesão cardíaca que lhe esfrangalhara o coração. E fez-se mais: Desenterrou-se
o cadáver; fez-se a autopsia… Os médicos não tinham mentido… Naquela tarde, o “detective”
deu conta das suas averiguações ao director da
Companhia. – Nesse caso – exclamou este – o engano parte dos
nossos médicos. – De fórma alguma. Estou
convencido que uns e outros - os que o examinaram e os que lhe assistiram na
morte não se equivocaram… – Mas isso é inverosímil… Riu-se o “detective” e
explicou: – Não tanto como parece… A “escroquerie”
de que a Companhia foi vítima não é nova… Existem especialistas de “seguros”
como há falsificadores ou arrombadores de cofres… O “escroc”
que fez o seguro sabia da existência, nesta cidade, de um italiano chamado Amieto Condi, doentíssimo, á beira da morte, que pouco
saía de casa… Apresentou-se em seu nome, com falsos documentos…
Examinaram-no; deram-no por capaz; assinou o seguro - e esperou que o
segurado morresse… E morto o verdadeiro, ei-lo de posse dos quatrocentos mil
escudos… – Nesse caso, a sobrinha, a Signorina
Tina Condi… – Não é difícil adivinhar quem é. Bastou para
isso interrogar o empregado que fez o seguro do falso tio e que entregou o
dinheiro á falsa sobrinha… Signorina Tina Condi é… Pergunta no boletim: Tina era … * * * NOTA: Foi mantida a grafia da época (1927) CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 50 A CARTA DE LUIZ XVI Noite tempestuosa. Ouvia-se a sinfonia do vento,
lá fóra. Sinfonia desesperada que arrancava sons
dos mais estranhos instrumentos: os fios telefónicos, os beiraes
dos telhados, os galhos das arvores! Pairava um tempo infernal, que punha em grande
pavor quantos, áquela hora tardia, se aventuravam
pelas ruas do velho burgo portuense. De longe em longe, o clarão fugaz dum relâmpago, abria sulcos na cerrada treva dos
espaços. Tamborilavam sinistramente, nas vidraças as saraivadas fustigantes,
que se amontoavam em camadas sucessivas sobre os peitoris. Acabara o serviço na redacção
e bordavam-se considerações sobre o ultimo telegrama
de Nankin que um boletineiro, encharcado até á
medula, viera trazer-nos solicitamente. A conversa derivou depois do Extremo
Oriente para o Extremo Ocidente. Esmiuçou-se a espécie humana e percorreu-se
a escala zoológica. Mares, ventos, tempestades, vulcões, todo o redemoinho
espantoso da natureza veio ali á supuração, naquela floresta barulhenta que
só tinha, afinal, o vulgar intuito de matar o tempo! Era preciso esperar que
se acalmasse a fúria do vendaval! – Foi numa noite assim que eu fiz a travessia da
Mancha! – disse subitamente o Repórter X. E que
formidável espectáculo! Mas não é de uma pavorosa
noite que a minha imaginação se enche… – Temos mistério? – inquirimos. Já nos agrupávamos todos á volta do camarada, em
natural ansiedade. Que deitasse ele, para ali, quanto a memoria
lhe espevitasse! – Esperem! Deixem-me atulhar este cachimbo… E saboreando, ao cabo, uma longa fumaça do «Three Castles», piscou os
olhitos azues, pigarreou, sacudiu num piparote um fiosito de tabaco e disse, mordendo de
quando em quando a resistencia dos «three». – Um lindo barco, aquele em que nos
transportávamos de Calais para Dovert! Houvera
conveniência em fazer a viagem de madrugada. De resto, ninguém imaginava que
a tempestade viesse surpreender-nos naquele trajecto,
relativamente curto. Aí pelas três horas da manhã o vendaval pareceu
redobrar de fúria. Eu tinha-me recolhido na cabine e espreitava de espaço a
espaço, entreabrindo a porta: sentia um prazer estranho em ver aquelas densas
cordas de água varrendo o convés. Ora num dos momentos em que a curiosidade me solicitou
divisei, com grande espanto, um vulto esguio de homem debruçado sobre a
amurada, insensível aos balanços do vapor e absolutamente indiferente á chuva
que o fustigava. Vi ou presumi que uma vaga, traiçoeira, podia
arrastá-lo. Escancarei a porta da cabine e precipitei-me, dum salto, para o
insensato; depois, segurando-lhe num braço trouxe-o até ao meu pequeno
compartimento. Era um individuo já de idade, correctamente
vestido e aparentando mesmo certa distinção. Estava em cabelo e naturalmente,
molhado dos pés á cabeça. Observei-lhe, brandamente, que era grande
imprudência aventurar-se ao lance em que eu o vira. Em seguida obriguei-o,
com os melhores modos que pude, a substituir o seu fato, encharcado, por
outro meu. Passaram-se alguns minutos. Por fim, sentou-se e,
fitando nos meus os seus olhos amortecidos, disse-me: – Obrigado por tudo. Não sou um doido, como
poderá ter imaginado: sou simplesmente um pae,
ralado de desgostos!... E após uma breve pausa continuou: – «O senhor inspira-me confiança. Vou dizer-lhe,
em meia dúzia de palavras, a causa do meu desvario de há pouco… a causa do
meu sofrimento! «Vivo em Paris na companhia dum filho que há dois
anos tirou o seu curso de engenheiro. Gastão – que assim se chama – tem dois
amigos que frequentes vezes convida para jantar em minha casa. Um deles, o
Leopoldo, é um apaixonado coleccionador de
autógrafos celebres. Génio concentrado, não disfruta
de grandes simpatias, havendo quem o acuse de pouco escrupuloso. Entretanto
devo confessar que o considerei sempre um rapaz correcto. «Quanto ao outro amigo do meu filho, o Rogério, é
o que bem póde chamar-se um estoura-vergas. Passa
as tardes a fazer namoro ás meninas do bairro e
reserva as noites para os clubs para onde arrasta, de quando em vez, o meu
Gastão. Não lhe conheço outros defeitos e sei que é generoso; devo, porém,
dizer que não me agrada aquela mania de frequentar clubs. «Mas vamos ao caso principal: Eu possuo, herdada já de meus avós, uma carta
escrita por Luiz XVI a Maria Antonieta, poucos dias antes de subir ao
cadafalso. É um precioso autografo que vale cinco ou
seis mil francos, mas que eu não vendia por dinheiro algum. Isso mesmo sabia
meu filho e os seus amigos, um deles o Leopoldo, tres
vezes me falou, mesmo, em adquiri-lo pelo dobro do seu valor. Escusado, porém, é repetir-lhe que recusei sempre
desfazer-me da preciosíssima herança. «Ora ontem, por volta das 10 horas da noite,
estávamos nós a tomar chá, em minha casa, quando meu filho, sem reservas deante dos seus dois amigos, me pediu quatro mil francos!
Perdêra essa quantia ao “bakará”
e precisava de a satisfazer. Observei-lhe, surpreendido, que não dispunha de
tal importância!” “Meu filho insistiu: e insistiu tanto que chegou
a propor-me que vendesse a carta de Luiz XVI, a carta que era para mim como
que uma relíquia de família!” “Indignei-me. Escuso de dizer-lhe que já não
acabei de tomar o chá. Meu filho levantou-se e, sem se despedir, saiu com o
Rogério. Desabafei a minha indignação com o outro, com o Leopoldo, que me
suportou ainda durante um quarto de hora. «Quando fiquei só, quiz
mergulhar os olhos, uma vez mais, na letra tremula
de Luiz XVI. Eu havia deixado a carta na gaveta do contador, que estava entre-aberta. «Dei um grito, um grito espantoso! Essa carta
desaparecera! «Imagine o meu desgosto. Fora sem duvida meu filho! Pouco depois saí de casa. Dirigi-me a Calaiá, tomei este vapor e vou até Dover. Tenho febre… «Oh! Eu não merecia tão cruel castigo da
Providencia… Calou-se. Deixei-o uns momentos entregue á sua dôr. Depois, armei em cruel e disse-lhe: – A Providencia fez bem em castigá-lo. – Que diz o senhor?... – A verdade: não tinha o direito de duvidar de
seu filho! O ladrão da carta foi… * * * O companheiro X terminára
a narrativa. Passara, também, a tormenta neste lindo céu de Portugal, ou
antes, nesta nesga celeste que cobre o velho burgo portuense. – E se nós fossemos cear! Disse ao camarada
Américo. – Pois seja – respondeu o Reinaldo. Sou eu que
pago!... Ou antes… é o Agostinho! E explicou: Terminei os contos misteriosos. Estou livre… como
a seta que sibila no ar!... * * * (Fim do Ciclo Reinaldo Ferreira – “Repórter X”)
Fontes: Secção
Correio Policial, 9 de Julho de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Setembro de 2025 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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