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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido
– “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à
modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do
“Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 18 de Junho de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 40 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 45 O LADRÃO INOCENTE Num velho livro de apontamentos da minha
acidentada vida de repórter, casualmente guardado entre livros e papeis, encontrei há pouco algumas notas que fizeram
reviver na minha memória um crime que há mais de quinze anos prendeu em
França a atenção do publico e encheu colunas dos grandes jornaes
de informação. Eu estava então em Paris e o sangrento sucesso interessou-me
vivamente, pelas circunstancias que durante dias o
envolveram numa atmosfera enervante de duvida e de mistério. Vivia nessa data em Autenil,
num palacete rodeado de jardim, o velho conde de Berley,
de origem ingleza, cuja existência de aristocrata
ocioso e multimilionário, decorrera entre os campos de corridas, os clubs, os
restaurantes e os bastidores dos teatros, desde que o prazer de viajar
deixara de ter qualquer interesse para a sua saciedade de blasé.
Aos cincoenta anos duas únicas coisas o
interessavam ainda: – as mulheres do teatro e as moedas antigas. Numa grande sala do rez-do-chão
da sua luxuosa residência acumulava-se em armários e vitrines
uma infinidade de moedas de incalculável valor pela perfeição e raridade dos
exemplares reunidos, formando uma colecção preciosa
que era o orgulho do conde. Mostrava-a com desvanecimento mal disfarçado pela
sua inalterável placidez de gentleman, e nunca quizera ouvir sequer as mais tentadoras propostas de
compra. A colecção de moedas do
conde de Berley era conhecida e cubiçada
por todos os amadores bem informados, a quem restava a esperança de que,
sendo ele solteiro e sem herdeiros forçados, a sua morte facilitaria uma
aquisição vantajosa. Inveterado inimigo do casamento, o conde de Berley atara e rompera ligações de duração variável até
que, já perto dos sessenta, se deixára prender no
encanto astucioso e perverso de uma cançonetista espanhola, Conchita Valdés, que conseguira, pela beleza física e pela graça enfeitiçante dos cantares andaluzes, impor-se em ruidoso
êxito a um publico exigente e difícil como é o de
Paris. O velho coleccionador
de moedas e de bailarinas julgou fácil a conquista da jitana,
de olhos pretos e cabelos de azeviche, mas enganou-se, porque ela
resistiu-lhe, com a habilidade e a inabalável teimosia de quem sabe que joga
numa cartada a realisação plena dos seus ambiciosos
sonhos de felicidade e de riqueza. E o aristocrata orgulhoso, o velho
conquistador irresistível, o encarniçado inimigo do matrimonio,
para satisfazer o seu obsecante capricho, acabou
por casar com a artista de café-concerto. Com o acordar da embriaguez que lhe toldara a
razão, ante a crua, a brutal realidade, a sua existência de homem do mundo,
educado e culto, fino de sensibilidade e de maneiras, chumbada á vulgaridade espectaculosa e grosseira da andaluza – em cujas veias
corria sangue de cigana – principiou a ser penosa e acabou por se tornar numa
insuportavel grilheta. Pensou em libertar-se, mas a
breve trecho sentiu-se irremediavelmente preso áquela
mulher pela rede inextricável dos sentidos, de que a sua inteligencia
e a sua vontade enfraquecida não conseguiam libertar-se. Tinha um ciúme exasperante da companheira, ciúme
do presente que temia e do passado tenebroso que ignorava. E como todos os
desgraçados ruídos pela ciumeira senil, entendia que
a sua única defeza estava em encarcerar a inimiga
numa prisão doirada, furtando-a a toda a convivência que pudesse provocar a
tentação de fruto proibido… * * * Certa madrugada, as imediações do palacete do
conde de Berley foram alvoraçadas pelo alarme de
brados de socorro, tiros de revólver e o furioso ladrar de cães excitados. Os
primeiros visinhos que acudiram encontraram um
homem ruivo, de má aparencia, subjugado por dois creados em cujo desalinho de vestuário se evidenciava a
precipitação com que tinham acorrido dos seus quartos. Tratava-se de um
gatuno que conseguira introduzir-se no rez-do-chão
do palacete, para roubar e que, pressentido, ferira mortalmente o dono da
casa e tentára fugir pelo jardim. Não pudera,
porém, saltar as grades tão facilmente como o muro das trazeiras,
por onde entrára, e fora logo agarrado. A condessa Conchita dera tambem
pela presença dum estranho nas salas do rez-do-chão
e descera; mas infelizmente já não chegára a tempo
de evitar a agressão nem o roubo, e só tinha podido perseguir o criminoso,
gritando por socorro e disparando sobre ele um revólver de que se munira. Isto contou una voce o
pessoal da casa aos agentes ciclistas que acudiram. E assim não podia deixar
de ser, porque nos bolsos do criminoso encontraram-se muitas moedas antigas,
arrancadas dos escrínios alinhados nas vitrines
cujas vidraças tinham sido forçadas com uma lamina – a da larga navalha de
ponta e mola com que o bandido ferira também o conde profundamente, em pleno
peito. Assim, á primeira vista, o assalto, o roubo e o assassinio apresentavam-se numa evidencia indiscutível,
praticados pela mesma mão familiarisada com o
crime, pois o ladrão de agora já tinha sido condenado por outros roubos. É
certo que não se lhe encontrava no cadastro qualquer agressão ou tentativa de
homicídio. Mas na sua carreira tenebrosa, alguma vez havia de ser a primeira
em que as mãos já habituadas ás algemas se haviam de
tingir de sangue… O conde chegára morto
ao posto de socorro mais proximo; e iniciadas as
investigações, tudo aparecia claro e exacto, a
esmagar com o peso tremendo de um duplo crime o ladrão preso em flagrante. E
o que mais indignava, acima ainda do banditismo sem nome de assassinar um
velho indefeso e tropego, que desce em robe-de-chambre,
de castiçal na mão, a verificar a origem de um rumor anormal – era a teimosia
cínica do celerado em afirmar, em gritar, em soluçar a sua inocência no crime
de morte. Não fôra ele quem ferira o conde. Era
ladrão, não o negava, e introduzira-se naquela casa para roubar. Mas ao
ver-se descoberto só pensára em escapar-se e nunca
em resistir ou em agravar a sua culpa com um assassinato. E a todos os
argumentos, a todos os indícios e a todas as provas esmagadoras, o preso
respondia com uma negativa tenaz, exaltada, enraivecida pela impossibilidade
de provar o que jurava. É claro que ninguém o acreditou e o processo ia
instaurar-se com rapidez e sem qualquer deficiência de prova. Apenas o inspector Giraud, da policia
judiciaria guardava, ante a atitude do criminoso, a reserva impenetravel de quem não formára
ainda um juízo definitivo sobre o caso.
* * * A viúva do conde e os seus amigos procuravam
servir-se de todas as influencias para evitar a
autopsia ao cadaver, invocando razões de
sentimentalismo e de sagrado respeito pelos mortos, mas apenas conseguiram
demorar a realisação inevitável do exame medico-legal que a justiça se recusou terminantemente a
dispensar. Ao mesmo tempo eram interrogadas as testemunhas,
que não trouxeram qualquer elemento novo para o esclarecimento do crime.
Apenas, quanto aos antecedentes, o creado de
confiança do conde se referira ás questões que
envenenavam a vida conjugal do seu patrão. A cada passo estalavam discussões
coléricas que chegavam á crueldade do insulto, provocadas pelo ciúme doentio
do velho, desconfiado da viva simpatia que certo sportman
profissional despertava na consorte, e pela ânsia de liberdade da condessa,
que não podia suportar mais tempo a clausura forçada na tristeza de um
palácio sombrio, fechado ao brilho e ás seduções da
vida exterior. As scenas desagradáveis
amiudavam-se, gritando a condessa que um dia punha termo áquele
inferno e vociferando o velho fidalgo que a mulher a quem tirára
do tablado para lhe dar a riqueza e um titulo anciava
por se ver livre dele. E dos depoimentos dos creados
concluía-se que no dia do crime a condessa Conchita de Berley
estivera alguns minutos falando a uma porta de serviço, aberta no muro do
jardim, com um rapaz novo e desempenado, que rondava a miudo
o palacete, o que não tinha, afinal, a menor importância para a investigação
do crime, suficientemente esclarecido. * * * Na tarde do dia em que se efectuou
a autopsia do corpo do conde, o inspector Giraud entrou no gabinete do juiz encarregado de
instaurar o processo do crime de Auteuil e disse ao
magistrado: – Como V. Ex.ª sabe, o
ladrão do palacete de Auteuil nega ter assassinado
o conde de Berley. – Bem sei. Mas, apesar da teimosia negativa, não
convence ninguem.
– Pois eu venho comunicar a V. Ex.ª
que o ladrão das moedas está inocente do crime de morte. – Como assim? – Tenho provas. O ladrão é ruivo. E não são
ruivos, mas bem pretos, os cabelos que, ao proceder-se á autopsia, se
encontraram entre os dedos enclavinhados do conde. Confirma-se o que eu já
suspeitava. Quem matou o conde foi… * * * NOTA: Foi mantida a grafia da época (1927) ############### GENTIL MARQUES
FALANDO DE REINALDO FERREIRA (Continuação) “O MÊS DE
OUTUBRO NA VIDA DE UM HOMEM…” Prossigo hoje com o pequeno estudo antológico que
iniciei no número anterior (e ainda a propósito dos “I Jogos Florais
Policiários” sobre a Vida e a Obra do saudoso “Repórter X” (Reinaldo
Ferreira), cujo 44.º aniversário da desencarnação terrena se comemora
precisamente neste mês de Outubro de 1979. Aliás, o mês de Outubro teve sempre grande
significado na carreira de Reinaldo Ferreira. A tal respeito escreveu Mário Domingues - o seu melhor companheiro de sempre: ”... a 4 de Outubro de
1935, precisamente vinte e quatro anos depois de o ter visto pela primeira
vez, com o seu laçarote às pintinhas e colarinho à mamã, Reinaldo Ferreira, o
Aio que sondara tanto a minha alma, que a confundia, por vezes, com a sua,
morria avelhentado e gasto, na flor às suas trinta e oito primaveras, nos
braços carinhosos da mãe, a pobre mão que o esperava carregada de lãs, no
átrio da escola, para que ele não se constipasse à saída, nem se lhe
agravasse a asma que lhe poderia ser fatal." * * * Trinta e oito anos apenas - e uma obra de excepcional valia que não mais poderá ser esquecida ou
ignorada! Que teria ele conseguido realizar - se vivesse
até aos cinquenta ou sessenta anos? Mas as tais “razões que a razão não entende” –
como proclamou o poeta (e muito bem) não permitiram que Reinaldo Ferreira
passasse além das trinta e oito primaveras... (texto de 1979) (Continua)
Fontes: Secção
Correio Policial, 18 de Junho de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 31 de Julho de 2025 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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