| 
  
   
  | 
 ||||||
| 
   
 
 22 de Março de 1957. É
  publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
  orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
  tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”.  Domingos Cabral, com 15 anos completados
  recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
  transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
  fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
  Aventuras”, de que era leitor há alguns anos.  Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
  pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
  acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
  Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
  pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
  dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
  ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
  começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
  De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho…  In Mundo dos
  Passatempos, 1 de Setembro de 2007   Correio Policial, 23 de Abril de 2021  | 
  
   
 PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
  POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
  editar) 32 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
  X” CONCURSO DOS CONTOS
  MISTERIOSOS Nº 31 A PISTOLA DE FOLHA O velho Duque de Hernando
  considerava o “quarto dos bebés” a obra prima do seu
  palácio modernista. Havia, nas cores do papel, na filtração das luzes, nos
  próprios caprichos do soalho algo como a miniatura de um parque de diversões.
  Pelos frisos colados em volta, deslizavam longas caravanas com todos os
  exemplares zoológicos… E pelos cantos, amontoavam-se os melhores brinquedos
  que se fabricavam em Berlim, Londres, Paris e Barcelona. O Duque de Hernando
  tivera dois filhos: Renato e Júlio. Ambos tinham casado contra a sua vontade.
  As nóras do Duque eram de desnivelada condição
  social. Renato casara-se com uma dactilografa. Júlio com uma antiga heroína
  dos clubs de Lisboa. A severidade do Duque levara Renato ao suicídio e
  Júlio á loucura. E quando o pai intolerante sentiu, sob a consciência, a dôr e o remorso - quis, a todo o custo, resgatar-se ante
  Deus – e ante a sua própria alma. Recolheu imediatamente no Palácio as duas nóras e os dois netos: o pequeno Luiz, filho do Renato e
  da dactilografa; e Maria, filha de Júlio e da antiga heroína dos clubs. Passados os primeiros mezes,
  o Duque constatou que ia perder a pouco e pouco o socego conquistado. As nóras
  não se davam. Uma ciumeira feroz as separava… Cada
  uma delas via, no filho da outra, o ladrão da herança do seu filho. Para suavizar esse amargor que envenenava a
  velhice, o Duque isolou-se por completo – e passou a dedicar-se aos netos,
  como as creanças se dedicavam aos brinquedos. Vivia
  para eles e com eles. Mas, quando chegava a noite, era obrigado a separar-se
  dos pequenos. Luiz, que era mais velhinho, recolhia ao quarto da mãe; Maria,
  que apenas tinha quatro anos. Recolhia ao quarto da antiga ama, a quem a mãe,
  por comodismo, confiava. Todos os dias o Duque recebia do estrangeiro
  novos brinquedos para os netos. E, atreito como estava ás velhas praxes da
  educação, esforçava-se por que os netos só se entretivessem com os brinquedos
  próprios do seu sexo. Luiz possuía espadas, espingardas, cavalos,
  fardamentos, triciclos…; Maria, bonecas, cozinhas, ferros de engomar, berços,
  montras de dois palmos.  * * * Um dia, um velho creado
  da casa, escravo, por ordem do Duque, dos caprichos dos petizes, aprisionara-se
  no “quarto dos bebés” para os auxiliar na engrenagem das suas traquinices. E
  os três – o velho e os miúdos, organizaram, na estreiteza da alcova, um
  “raid” policial contra ladrões: o creado era o
  ladrão – e Luiz e Maria eram os polícias. E para que a perseguição tivesse o
  suficiente realismo, o creado pegou numa pistola,
  imitação em folha de terríveis “stars” e, oculto atraz
  dum caixote, apontou a pistola para queimar um fulminante contra os seus
  microscópios inimigos…  Deu ao gatilho… E em vez de um estalido do
  fulminante, ladrou um tiro – um tiro verdadeiro, um tiro de morte… E por um
  triz que a bala não alcançou uma das creanças… * * * O velho creado, hirto,
  pálido, da brancura da sua alva cabeleira, narrou o que se passara. E o
  Duque, semi-cerrando os olhos, disse: – Há dois dias que eu dei ao Luiz uma pistola de
  lata. Alguém trocou essa pistola de lata por uma pistola autentica e
  carregada. Para quê? Para que um dos pequenos assassinasse inconscientemente
  o outro… – Quem é o criminoso? Ah! Meu velho… Eu não tenho
  ilusões. Eu leio o que se passa no teu cérebro. Uma das minhas nóras armou a cilada para que a herança lhe passasse,
  íntegra, para as mãos. Mas qual das duas? Houve um silencio. E o velho Duque prossegue: –E eu não hesito na minha acusação. E para que
  essa acusação se formasse no meu espírito bastou que eu fizesse, a mim
  próprio, este raciocínio: existindo nesse drama uma mãe que quer que morra o
  filho da outra, pela mão de seu próprio filho – ela procurará seguramente a
  formula em que seu filho, matando, inconscientemente, não se arrisque… E a
  pistola… a pistola, se não fosse o acaso, que a fez, a ti, meu caro
  dispará-la, devia estar sempre nas mãos de um dos meus netos. Ora, sendo
  assim, quem preparou esse crime foi… Qual das duas nóras do Duque
  preparou o atentado? Para o descobrir basta saber a qual dos petizes estava
  destinado o papel de pequeno assassino. Ao descobri-lo e vendo de quem era
  filho – sabe-se quem era a criminosa… E para saber qual dos petizes podia
  manejar a pistola, releia-se as linhas anteriores. CONCURSO DOS CONTOS
  MISTERIOSOS Nº 32 O ENVELOPE VERMELHO A pensão de Madame Berta, instalada num terceiro
  andar da rue de Sta. Cécile
  fôra sempre privilegiada pelos portuguezes
  de Paris – estudantes, turistas e caixeiros viajantes, económicos ou pouco
  endinheirados. A fama lusófila da pensão Madame Berta tinha sido
  propagandeada pelo seu hospede mais antigo, Vasco de Pinhal, exportador de
  bugigangas chics da capital franceza
  para os principais armazéns de Lisboa e do Porto. Havia doze anos que Vasco vivia naquela pensão. Dizia-se até que um namorico existia,
  secreto sempre, por causa das conveniências, entre o comerciante portuguez e a dama francesa, viúva, morena e romântica. Vasco, quando sabia que alguém das suas relações projectava uma viajata até Paris, apressava-se a
  escrever-lhe: «Não se preocupe com o hotel… Venha para a pensão de Madame
  Berta… Por vinte francos diários come-se até fartar e dorme-se numa cama que
  parece feita de pão-de ló.» Havia exagero nesse reclame – os que lhe seguiam
  o conselho não tardavam a comprova-lo – embora se sentissem bem, naquele
  ambiente que cheirava a Rua dos Fanqueiros, de Lisboa, ou a Rua de Santo
  Ildefonso, no Porto. E da constatação das invenções lisonjeiras de Vasco para
  com a pensão de Madame Berta nascera a suspeita que ambos se amavam – ou que, pelo menos, ela era amada pelo portuguez. * * * Naquele princípio de Inverno de 1922… a pensão de
  Madame Berta despovoara-se quasi por completo. Os
  negociantes tinham-se retirado, assustados pelas primeiras neves – e os
  turistas só escolhiam o verão para folhearem esse álbum de postais ilustrados
  que é Paris. Os hospedes eram apenas quatro: Belmiro, estudante pobretão,
  muito irregular no pagamento; Alcino, um pouco aventureiro, que pagava, mas
  que fazia misteriosa vida; Vasco – o hospede eterno; e Carlos, irmão mais
  novo, que ele chamara para junto de si, para o ir encarreirando na
  labiríntica estrada dos negócios. Tinham ficado do verão tres
  mulheres – todas as tres francezas,
  jovens, e tão maquilhadas de encantos
  pela natureza como pelos batons: Suzon,
  dactilografa; Louise, modista, e Margot, caixa dum grande armazém. Mas a patroa, no espaço de quinze dias, foi
  despedindo-as uma a uma. Primeiro a Suzon, depois Louise e por fim a Margot. E
  quando os hospedes lhe perguntavam a razão do seu procedimento ela esboçava
  evasivas, citando um ou outro mau comportamento… E assim se chegou ao dia 15 de Dezembro – véspera
  do crime que havia de celebrizar, na imprensa parisiense, a modesta pensão de
  Madame Berta. * * * Na véspera, depois do jantar, Carlos foi ao
  quarto de Vasco perguntar-lhe se queria acompanha-lo ao “Casino”… Vasco
  desculpou-se com umas cartas a que urgia responder… E Carlos viu que o seu
  irmão metia tres notas de mil francos e uma carta
  num envelope nada comercial porque era coquette; e
  viu ainda que o fechou – e endereçou… Findo o espectáculo
  Carlos voltou para a pensão. Era meia noite – e na sala de jantar Alcino
  tomava o seu chocolate… Pouco depois entrou Belmiro – e Madame Berta, como
  tinha todos os hospedes recolhidos, fechou a porta e dependurou a chave no
  prego que lhe estava destinado – e colocou a tranca de segurança, a toda a
  largura. Á uma hora, todos dormiam. Ás oito da manhã,
  reuniram-se, como era habito, em volta de uma cafeteira e de um prato de
  croissants que Madame Berta abria e barrava com manteiga. Ás oito e meia retiniu a campainha: era a mulher
  a dias que auxiliava a patroa. A chave abandonou o seu lugar, a tranca foi
  arrancada e a porta aberta… E só então Carlos deu pela falta do irmão… Entrou
  no quarto e soltou um grito de angustia. O irmão estava caído sobre o tapete, de braços
  abertos e o sangue jorrava do peito. Vasco fôra assassinado
  duma punhalada em pleno coração… E numa das mãos, entre os dedos
  enclavinhados, havia uma carta que o sangue avermelhara. * * * A creada partiu,
  correndo, a chamar a polícia. E Carlos, dominando a dôr
  quiz, á pressa, adivinhar quem podia ser o
  assassino do irmão, ancioso de saber a quem devia
  dirigir o seu ódio. Ficando assente no seu espírito que ninguem podia ter entrado na pensão durante a noite – a
  suspeita fixou logo: o criminoso era, forçosamente, alguem
  que na pensão dormira… O envelope que o cadáver segurava era o mesmo em
  que ele, na véspera à noite, vira Vasco introduzir tres
  notas de mil francos e uma carta… A suspeita precisou-se… Dinheiro? E pensou
  em Alcino, o estudante pobretão e em Belmiro, o aventureiro de misteriosa
  vida… Com todo o cuidado retirou a carta … O envelope vermelho pelo sangue,
  fora rasgado… A carta desaparecera – mas as três notas de mil francos lá
  estavam ainda… Sendo assim – parecia que o móbil do crime não fôra o roubo… E não sendo o roubo – que móbil podia ser? Leu o endereço: Margot Camille. Margot Camille  era a antiga hospede da pensão, a ultima a
  ser despedida pela Madame Berta… E notou mais ainda: que tintas de sangue havia,
  bem nítidas, os sinaes digitaes
  de alguem que não era seu irmão.... Os dedos do
  irmão eram grossos e aquelas dedadas eram finas, muito finas… * * * Ao sair do quarto encontrou Madame Berta. – Pobre monsieur
  Carlos, murmurou a franceza, lagrimosa. Que
  desgosto! – Descanse… pediu ele. O assassino há de ser
  descoberto. Deixou vestígios
  iniludíveis no envelope vermelho de sangue… E subiu ao seu quarto. * * * Dez minutos depois voltou ao quarto do crime. O
  envelope vermelho tinha desaparecido! As tres notas
  de mil francos estavam caídas ao lado do cadáver! E então, Carlos, como
  alucinado, dirigiu-se para a sala onde estavam reunidos Belmiro, Alcino e
  Berta, e gritou: – Ninguem sae daqui até chegar a polícia! Houve um instante de pasmo e desapontamento.
  Todos os olhares se fixaram no recém-chegado. E Berta, franzindo o fino
  sobrolho perguntou: – E porquê? 
   – Porque o autor do crime encontra-se nesta sala. Todos se entreolharam surpreendidos, procurando
  um gesto, num tremor involuntário, a revelação do enigma. Foi ainda Berta
  quem rompeu o silencio: – E quem é ele? Carlos, então, exclamou: – O assassino é…  Releiam as
  linhas em itálico. Vejam quem podia roubar o envelope… O ladrão do envelope
  será, logicamente, o assassino. Nota: Na transcricção
  destes dois contos/problemas foi mantida a grafia da época (1927).      
 Fontes: Secção
  Correio Policial, 23 de Abril de 2021 | Domingos Cabral  Blogue Repórter de
  Ocasião, 31 de Março de 2025 | Luís Rodrigues  | 
 |||||
| 
   © DANIEL FALCÃO  | 
  ||||||
| 
   | 
  
   | 
 |||||