Autor Data 1 de Abril de 2025 Competição Torneio do Cinquentenário de
“Mistério… Policiário” Problema nº 4 Publicação Blogue Momento do Policiário |
NAQUELA NOITE DE MAIO Virmancaroli Nesse
mês de Maio, com temperaturas amenas para a época, mas com manhãs um pouco
frias e ventosas, envolvia-nos com tardes bem agradáveis que se deixavam
arrefecer para a noite e pela madrugada adentro. Era um ciclo meteorológico
imperturbável, este. E foi numa dessas noites, de Maio, quando eram
precisamente três horas e trinta e nove minutos da madrugada, daquele Sábado,
véspera de lua nova, por sinal, que um forte ruído de vidros estilhaçados
irrompeu pelo silêncio da madrugada. Um
início de fim de semana que se julgava tranquilo,
como tantos outros anteriores, já passados, mas que afinal se previa agora
desassossegado! Seria mesmo assim?… Já
há muito tempo que na ribeirinha cidade do Montijo não se registavam
incidentes de maior, pese embora o facto de uma ou outra ocorrência que
rapidamente se esfumava e das quais nem registo havia sequer, tal a
irrelevância das mesmas. Naquela
Praça da República, aquela Praça velhinha, no centro histórico da cidade, que
apesar de descaracterizada, privilegiava ainda o comércio local, envolta na
sua luz habitualmente ténue, fruto das tecnologias, e aquela hora, não se
viam pessoas nem automóveis, a praça estava completamente deserta sem
movimento algum pelo que dava a impressão de que o incidente iria passar
despercebido. Mas
não foi isso o que realmente aconteceu, imagine-se! O
Inspector Alfama, em serviço, de turno, nessa noite
na Esquadra do Borralhal, estremeceu, assustado,
outra coisa não seria de esperar, enquanto passava pelas brasas, ao ouvir o
telefone tocar de repente. Lá lhe iam estragar a noite, pensou ele. Pegou no
auscultador e simultaneamente olhou para o relógio, oferta da esposa em dia
de aniversário, que marcava nesse preciso momento três horas e quarenta e um
minutos. Depois, então, atendeu o telefonema, não sem com alguma
contrariedade. Chamada concluída e no momento em que colocava o auscultador
no descanso, a porta ao lado abriu-se e o Sargento Boaventura entrou na sala. Passou-se
alguma coisa, perguntou ele? Pois, foi isso mesmo! Replicou o Inspector Alfama, acabaram de assaltar a “Cara &
Coroa”! A “Cara & Coroa”? Exclamou Boaventura, atónito. Aquela
loja na Praça da República que vende e compra moedas? Alfama
anuiu que sim… essa mesmo. Foi
o próprio dono da loja, o Zé Bastos quem me telefonou. Vou para lá, agora,
ver o que se passou e já me estragaram a noite. Olha, Boaventura faz-me o favor
de acordares o Sargento Oliveira, para ele me acompanhar. A
ausência anunciada, nessa noite, do Guarda Nocturno,
pago pelos comerciantes da Praça, já poucos por sinal, possivelmente poderá
ter deixado os comerciantes mais vulneráveis…, mas até porque também já há
bastante tempo que não se registava ali nenhuma ocorrência de roubo, ou de
outro abuso qualquer! Entretanto,
algum tempo depois e quando os dois polícias chegaram junto à loja de
numismática, pertencente ao comerciante Zé Bastos, o sino da Torre da Igreja
da Misericórdia, ali bem perto da Praça da República, batia as quatro horas e
meia, badaladas que bem se fizeram ouvir, nessa noite bem escura e húmida. Via-se
um enorme buraco no vidro da porta da loja e o Sargento Oliveira juntou com o
pé os estilhaços, formando um monte considerável em frente da entrada. Nesse
preciso momento a porta da loja abriu-se. Agradeço-lhes terem, assim, vindo
tão depressa. Eu sou o Zé Bastos proprietário da loja. Os polícias entraram
na loja, sem deixarem, contudo, de observar a grande desarrumação de álbuns
em cima do balcão e foram de imediato os três, para uma sala bem iluminada
onde o proprietário começou então as explicações que motivaram a chamada por
si feita. Como
resido fora da cidade, ali na Jardia, portanto, ainda bem longe da loja e
quando tenho mercadoria para arrumar, pois, ontem fiz algumas compras,
costumo dormir sempre aqui, porque tenho de começar bem cedo com as
arrumações, antes de a loja abrir. Assim,
esta noite, tendo eu o sono leve, ouvi, de repente, tilintar qualquer coisa.
Fiquei um momento à espera, pensando que estava a sonhar, mas depois
apercebi-me que alguém estava a mexer na fechadura da porta da loja. Saltei
da cama de imediato, fui vestindo o roupão e vim logo para aqui. Mesmo no
escuro ainda deu para perceber a silhueta do intruso. Era um homem alto, de
óculos escuros e de gorro pela cabeça, que se pôs logo em fuga assim que se
apercebeu da minha presença. Eu ainda fui atrás dele até ali ao fim da praça,
mas ele era jovem e bem rápido, pelo que desapareceu na noite quando virou à
esquina da Praça. Então, voltei, depois, para a loja e telefonei-lhes. Após
um breve impasse, quase como que uma cortina para meditação, em que se gerou
algum silêncio, Zé Bastos estendeu a mão, mostrando aos polícias um tijolo.
Isto estava ali, ao pé da porta. O gatuno teria partido o vidro com ele,
meteu a mão pelo buraco e abriu a fechadura pelo lado de dentro. E
conseguiu levar alguma coisa, pergunta o Inspector
Alfama? Infelizmente,
sim. Levou-me um dos álbuns mais valiosos com moedas romanas que eu tinha
recebido ontem mesmo e que estava ainda aqui em cima do balcão e, que era
para ser arrumado hoje, quando catalogadas as moedas. Não deixa de ser um
grande transtorno para mim, pese embora o facto de já as ter segurado, ontem
mesmo, quando as recebi, como habitualmente o faço com a mercadoria mais
valiosa. Sim,
e enquanto avalia o seu prejuízo, ou seja, neste caso, o produto do roubo?
Cerca de cinco mil euros, respondeu Zé Bastos. Foi mesmo muito azar comentou
o Sargento Boaventura, olhando para Zé Bastos, mas como o seguro vai
pagar-lhe tudo, melhor para si. Na verdade assim o espero e que não demore
porque o negócio tem andado ultimamente mesmo muito mal. Já
o Inspector Alfama não estava tão confiante quanto Boaventura,
pelo que olhando de frente e bem na cara para Zé Bastos disse-lhe: Olhe,
entretanto, vá-se vestindo para me acompanhar à Esquadra, pois temos de
registar a ocorrência. Vai
levantar um auto, diz Zé Bastos? Sim, isso também. Também?
O que é que quer dizer com isso? Perguntou Zé Bastos, cuja voz enrouquecera,
agora, subitamente. É
que também temos de tomar nota das aldrabices que nos quis impingir, tendo o
valor do seguro que pensaria receber, na mente. Foi
tal o susto de Zé Bastos que os óculos lhes escorregaram pelo nariz abaixo.
Com um gesto nervoso ele tirou-os e começou a limpá-los a uma ponta do
roupão. Mas…,
mas o que é isso? Que brincadeira é essa? Eu vou queixar-me de si aos seus
superiores disse Zé Bastos. O
Inspector Alfama fez um sorriso. Para quê, se
pretendia enganar a Polícia e depois a Seguradora? É isso mesmo que vai
esclarecer no auto. Pergunta-se:
Quais
os motivos que teriam levado o Inspector Alfama a
duvidar das declarações do comerciante Zé Bastos, convicto de que tudo não
passara de uma encenação deste para receber o dinheiro do seguro?! |
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© DANIEL FALCÃO |
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