Autor Data 15 de Maio de 2005 Secção Policiário [722] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2004/2005 Prova nº 8 Publicação Público |
O INSP. FIDALGO E A MORTE DO CORONEL Inspector Fidalgo Havia dois dias que a chuva
caía, impiedosa. O Inspector
Fidalgo parou à porta da casa, respirou fundo e entrou, sendo recebido pelo
porteiro, que o conduziu ao segundo andar, frente a uma secretária pesada e
escura, atrás da qual se sentava um tipo muito magro, quase enfezado,
visivelmente assustado. Contou: Senhor Inspector, juro-lhe que não
tenho nada que ver com o que se passou, juro! Como sempre, vim no combóio que chega às 8h45, entrei a porta do prédio e
cumprimentei o senhor Ataíde às 8h55, para estar aqui, no meu posto, às 9h00
certinhas, pronto para servir o senhor Coronel que, desde que ficou
completamente paralisado de um dos lados, dependia mais de mim, para lhe
levar coisas, para lhe chegar as bengalas, essas coisas. Eram precisamente
9h10 quando ouvi um estrondo, parecido com um tiro, vindo dali – apontou para
o corredor à esquerda da secretária, para onde abriam duas portas, situadas
lado a lado –, levantei-me e acorri à porta – apontou a mais próxima – e bati
repetidamente, chamando pelo Coronel, mas não obtive resposta. Resolvi abrir
a porta, que sempre conheci aberta, mas desta vez estava fechada à chave.
Pelo telefone chamei o senhor Ataíde, que veio de imediato. Também ele bateu
à porta e chamou, mas, para minha surpresa, a porta que se abriu foi a outra
– e apontou para a mais distante – e de lá saiu o irmão do Coronel, que eu
nem sabia que cá estava, nem o senhor Ataíde, que também ficou surpreso.
Perguntou que barulho era aquele e dissemos-lhe que o seu irmão não
respondia, ao que ele ordenou rispidamente para abrirmos a porta. E
precipitou-se para ela, rodando a maçaneta. Claro que não conseguiu. Foi
então que nos ordenou que deitássemos a porta abaixo, já que não havia outra
entrada, nem meio de entrarmos, mas mesmo nós os três não conseguimos
derrubá-la, porque é fortíssima. Foi então que ele se lembrou que talvez a
chave do quarto dele abrisse esta porta e foi buscá-la. Abriu mesmo e foi
então que entrámos… No ar havia um ligeiro odor a rosas, do unguento que o
Coronel aplicava no braço paralisado… Um horror, tudo o que vimos… O senhor Inspector entre, que está lá dentro um colega seu... O agente Moreira disse ao Inspector que tudo estava exactamente
como encontraram ao chegar. O quarto era grande, mas
escuro e soturno, formando um quadrado. Na parede oposta à da porta, havia
duas janelas grandes, onde a chuva batia com ruído, que nunca eram abertas
enquanto o Coronel lá estivesse. Delas avistava-se o jardim, bem tratado. À esquerda de quem entrava
no quarto, ficava a cama e do lado direito, uma secretária, encimada por
prateleiras onde se viam alguns livros e colecções,
com relevo para uma – a sua preferida, veio a saber, que manuseava todos os
dias, admirando cada traço –, de canecas em porcelana, todas rigorosamente
alinhadas, com as pegas a apontar para a janela, como um exército, mas com
uma particularidade: os motivos, pintados à mão e retratando cenas de obras
de Sherlock Holmes, estavam virados para a parede,
como se o Coronel não quisesse que ninguém desfrutasse de tal beleza. O corpo enorme do Coronel
estava no chão, com a face do lado direito danificada pela violência do
disparo e das queimaduras e a face esquerda ainda mais esfacelada. A arma
usada era de grande calibre, certamente a pistola 9mm que estava agarrada na
mão da vítima. Em redor do corpo, nada de
especial foi encontrado pela brigada de investigação, nem pelo Inspector Fidalgo. Todo o perímetro do quarto foi
convenientemente esquadrinhado, mas tudo parecia estar no devido lugar, excepção para o corpo do Coronel. O quarto do irmão da vítima
era perfeitamente igual ao do Coronel e funcionava um pouco como arrecadação,
já que era raro ele parar por lá. Havia muitas armas de guerra, certamente
recordações de tempos idos, de diversos calibres e em perfeito estado de
funcionamento. Junto às janelas, o Inspector
Fidalgo notou que o chão estava encharcado pela água que entrava
copiosamente. O irmão do coronel desculpou-se com a claustrofobia de que
padece. Mais declarou que chegou nessa mesma noite e que se adivinhasse que o
irmão queria pôr termo à vida, nunca teria vindo… O Inspector
Fidalgo já tinha algumas certezas e algumas suspeitas, mas ainda havia muitos
pontos obscuros que a primeira investigação dos seus colegas não esclareceu.
Era sempre a mesma coisa, quando o trabalho apertava, havia uma tendência
para assumir as aparências como se fossem evidências… |
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© DANIEL FALCÃO |
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