Autor Data 17 de Julho de 2005 Secção Policiário [731] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2004/2005 Prova nº 8 Publicação Público |
Solução de: O INSP. FIDALGO E A MORTE DO CORONEL Inspector Fidalgo A análise dos elementos que
são fornecidos ao nosso Inspector Fidalgo bem como
todos os pormenores que ele verifica permitem-nos tirar algumas conclusões. Assim, não se tratou de
suicídio: a) A porta está fechada à
chave, que não se encontra no interior do quarto. Mesmo admitindo que o
coronel fechasse a porta por dentro – ao contrário do habitual –, para não
ser impedido no seu acto suicida, a chave tinha de
aparecer; b) Não é encontrada a
cápsula do projéctil que a pistola tinha de ejectar, obrigatoriamente; c) A disposição das
canecas, com a asa virada para a janela e os desenhos para a parede, indicam
que o coronel apenas podia movimentá-las com a mão esquerda, o que nos conduz
à conclusão de que estava paralisado do seu lado direito. Desta forma, a arma
na mão direita da vítima não tem razão de ser. Ele não poderia disparar com a
mão direita na face direita. O projéctil foi
disparado a curta distância da face direita, provocando os estragos
descritos, saindo pela esquerda, onde provocou muito mais estragos, por força
do movimento de rotação e desvios que sempre sofre o projéctil
ao perfurar tecidos ósseos; d) Um tiro na face não é o
ideal para um suicida, que normalmente escolhe locais de morte mais garantida
e menos sujeita a sofrimento, como a têmpora, o céu-da-boca, a nuca e,
eventualmente, o coração. e) O coronel não tinha
qualquer bengala consigo e dessa forma não poderia deslocar-se até à porta
para a fechar à chave, bem como dificilmente se equilibraria para dar o tiro
fatal, dada a sua dependência quase completa. Também não se tratou de
acidente. Pelos mesmos motivos referidos, é possível excluir a hipótese de
acidente, que não encontraria justificação, ainda, pelas razões que a seguir
se indicam. A morte do coronel não
ocorreu no seu quarto: a) O coronel tinha sempre a
janela fechada, como de resto se comprova por estar o soalho completamente
seco, apesar da chuva copiosa que esbarrava no vidro. Um só momento aberta, implicaria que houvesse marcas. Assim
sendo, o cheiro que haveria não seria o do unguento que ele punha no braço,
mas sim de pólvora; b) A cápsula teria de ser
encontrada; c) Se o projéctil
entrou pela face direita e saíu pela esquerda,
teria de se alojar algures numa parede, móvel ou objecto,
ou perfurar o vidro da janela. Nada disso aconteceu. Não há vestígios do
impacte do projéctil; d) Um tiro de uma arma de
grande calibre (projéctil 9mm, derrubante),
em sítio de grande irrigação sanguínea, provocaria obrigatoriamente uma
enorme hemorragia que teria de deixar marcas, o que não acontece; e) Ao atravessar a cabeça,
esfacelando a face esquerda, teria de projectar
tecidos e sangue a distância considerável, o que não acontece; f) A ausência das
inseparáveis bengalas é mais um factor indicador de
que a morte não ocorreu ali, naquele quarto. Chegados a este ponto,
resta-nos a hipótese de ter havido um crime, executado por um dos
intervenientes na história. Facilmente se exclui a
hipótese da morte ter ocorrido no momento em que o secretário diz ter ouvido
o disparo. O estado do corpo, a impossibilidade de ter sido morto naquele
quarto, etc., faz com que se conclua que este tiro foi apenas uma manobra de
diversão, tentando criar a ilusão, no secretário, de que tudo ocorrera
naquele momento e que este fosse contar à polícia isso mesmo, conduzindo à
hipótese de suicídio. Por esse motivo, o porteiro
fica ilibado de imediato. Não há acesso possível ao local da morte, por outro
local. O secretário, apenas entrou
pela manhã, não teve tempo para encenar tudo. Matar o coronel noutro local
(já vimos que não pôde ser ali); transportá-lo para o quarto – ele é
franzino, quase enfezado e o Coronel tinha um “corpo enorme” –, sem deixar
rastos ou vestígios de sangue no corredor; fechar o quarto à chave e esconder
esta em local seguro; e fazer tudo isto à revelia do irmão do coronel, que
estava ali ao lado, quer ele soubesse da sua presença, quer não, não parece
possível, para além de não haver um motivo muito concreto para eliminar o seu
patrão. Excluído o secretário do
rol dos suspeitos, nada nos faz duvidar da existência do tiro que ele diz ter
ouvido, Resta-nos, pois, o irmão do
coronel. Por razões que se desconhecem, eliminou-o no seu quarto ou em outro
compartimento, forjou a cena – deixando atrás de si uma imensidão de erros,
como vimos –, disparou uma arma no seu quarto, dirigindo o projéctil para o jardim, pala janela aberta, quando
sentiu a presença do secretário. O cheiro da pólvora dissipou-se normalmente. Depois, fez a cena que foi
descrita. Tentou abrir a porta do quarto do irmão, mesmo que já soubesse que
não ia conseguir por estar fechada, alvitrou o arrombamento e acabou por se
lembrar de uma hipótese bem remota – a de a chave de um quarto abrir o outro.
Em todo este comportamento, esteve bem. O pior foi a sucessão de erros
anteriores. |
© DANIEL FALCÃO |
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