Autores Data 8 de Abril de 2022 Secção Correio Policial [549] Publicação Correio do Ribatejo |
A MORTE DO AGIOTA Domingos Cabral Vou
matar o “velho”. Estou farto desta situação de condicionamentos, especialmente
no insuficiente apoio monetário que me presta, enquanto assisto, no
dia-a-dia, ao aumento da sua fortuna através dos juros altíssimos que “suga”,
sem qualquer piedade, nos empréstimos que faz a quem ele recorrer para
suprirem as suas dificuldades. Posição de facto bastante diferente com a
postura de “unhas-de-fome” que assume quando se trata de satisfazer os
pedidos que lhe faço, de modo a poder viver uma vida mais compatível com as
necessidades de um jovem nos tempos de hoje, naturalmente muito muito
diferente dos da sua juventude – especialmente quando sou o seu familiar mais
próximo e com ele convivente. Agiota
e avarento são expressões correctas para o definir.
Por um lado, é certo, ajuda a resolver situações difíceis e urgentes de
muitas pessoas, mas não o faz por razões humanitárias, sem interesses
usurários, mas, pelas duras condições que impõe, para aumentar a sua fortuna
com os dividendos que desses empréstimos usufrui – não sendo raras as
situações de infelicidade para as quais contribui àqueles que, não podendo
depois cumprir os reembolsos dentro do prazo acordado, são alvo de ameaças de
represálias físicas violentas, a executar por “gorilas” contratados, ou, sem
contemplações, execuções de bens, deixando alguns quase na miséria. Porém, a
partir de hoje não poderá continuar a fazê-lo… Acabei
de “teclar”, no velho computador de que seguidamente me vou desfazer, e
imprimir, a carta que irá ser encontrada na secretária junto do seu corpo, direccionando assim a causa da sua morte para um acto de suicídio por temor de (mais uma) ameaça, de um
dos do vasto universo de clientes que a ele têm recorrido e, por sua vez,
também sido ameaçado – ou mesmo um assassínio cometido por um destes. Eliminá-lo-ei
e sairei de imediato para um evento público, afim da minha presença ser ali
assinalada quando o corpo for descoberto e o alarme dado – quase certo que
pela empregada que, diariamente, às 10 horas entra ao serviço. Por
isso me inscrevi na Meia-Maratona de Lisboa, cuja classificação irá registar
o meu nome. Depois, é aguardar os acontecimentos, esperando o veredicto de
suicídio ou, na pior das hipóteses, a natural impossibilidade de se descobrir
um qualquer culpado, que não eu, escudado pelo meu alibi… E assim estará dado
o decisivo passo para uma minha outra vida, outra vida mais bem vivida, pois
sou, como familiar mais próximo, o herdeiro directo
do “velho”… Dado
o alarme, como previsto, a Polícia deparou com o corpo sentado à secretária,
caído de bruços sobre ela, manchada de sangue sob a cabeça, proveniente de um
furo regular que o parietal direito exibia. O braço do mesmo lado pendia na
perpendicular, segurando a mão a sua pistola “Browning”.
Nada mais no escritório se apresentava como passível de ser classificado de
anormal, salvo a presença de uma folha de papel de formado A-4 maculada
apenas pelo seguinte texto: 07/12/2013 Miserável Agiota Recusando a moratória de pagamento que
solicitei, e ameaçando-me de vir a ser alvo de “tratamentos de saúde”,
perturbaste significativamente a minha já tão difícil existência, e ditaste o
destino da tua… Também o fizeste com outros, mas, perdido que já estou, não
vou permitir que agora o faças comigo. Adeus, sê feliz com o teu dinheiro… no
outro mundo… Pensava ter bem planeado e executado a
eliminação do “velho”. Todavia, não tardou que me prendessem e acusassem. Leitor:
Diga-nos quais entende terem sido os erros cometidos pelo narrador, que
determinaram a acusação de culpabilidade que lhe foi feita. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|