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TORNEIO DO
CINQUENTENÁRIO “MISTÉRIO…
POLICIÁRIO” – MA/MP (1975-2025) PROBLEMA Nº 3 A MORTE DO
TRAFICANTE Autor: Paulo Este foi mais dos
muitos casos onde marquei presença com a minha participação. Era eu o chefe
da equipa da Polícia Judiciária encarregada do caso. A vítima era um
conhecido traficante de cocaína, Alfredo Ramos, um homem baixo, de um metro e
setenta, 46 anos, cabelo bem preto, olhos castanhos, ausência total de
empatia, e pessoa sem qualquer escrúpulo. Apesar de estar
sujeito da nossa parte a uma grande vigilância, tinha sido assassinado bem
perto dos nossos homens, sem eles verem, e, portanto, sem eles poderem
intervir. ***** Fui conversando
com o médico enquanto ele fazia a autópsia. Eu já o conhecia de muitos outos
casos. Era o Gilberto Gomes. – Foi um projétil
de calibre 38. Revólver. Observa bem o orifício de entrada. E eu vi. Era bem
visível, logo acima dos olhos, bem centrado na fronte. Também vi
perfeitamente uma lesão com bordas irregulares, invertidas, ou seja, voltadas
para fora, e uma impregnação centralizada de pólvora. Não gostava muito
de ver aquele cenário, mas fora ficando habituado com o decorrer dos anos.
Entretanto o Gilberto cortava a cabeça para poder visualizar o seu interior. – E quanto à
trajetória da bala – perguntei? – Sempre
horizontal – respondeu. Isso está de acordo com o impacto observado na
parede. – E já sabes se ele estava de pé, de
joelhos, sentado, ou em qualquer outra posição? – Estava de pé.
Todos os indícios apontam para essa posição. Um deles é a queda. A cabeça
terá caído, desamparada de cerca de um metro e setenta centímetros, fazendo
um fratura óssea na nuca. – Então, caiu para
trás. – Neste caso, foi!
Geralmente vemos, nos filmes, as pessoas a levarem um tiro e a morrerem
imediatamente. Nunca é assim, ou melhor, quase nunca, porque nesta situação
até foi. Um tiro na cabeça levou a uma morte instantânea. E a energia
cinética do projétil fê-lo tombar imediatamente para trás. Vendo como
Gilberto Gomes continuava de volta da cabeça, eu perguntei: – E na nuca? O Gilberto
observava a parte detrás da cabeça, onde uma outra ferida, maior do que a da
fronte, mostrava a trajetória do projétil: a entrada e a saída. De instrumento de
medida na mão, Gilberto dizia: – Vês? A distância
ao topo da cabeça é a mesma na entrada e na saída, e bate certo com o impacto
do projétil na parede. O Gilberto tinha
deixado a cabeça e dedicava-se ao abdómen, onde fizera os característicos
golpes necessários para a verificação das diferentes vísceras. – Comida no
estômago! Tinha feito uma refeição, não havia muito tempo, e estava a fazer a
digestão. Vou mandar para análise o conteúdo. Depois, podes fazer a
comparação com outros relatórios e decidires sobre a hora do crime. Continuou a falar,
e eu a fingir atenção, mas tudo entrava a cem e saía a duzentos, porque a
minha cabeça estava noutros locais, juntando todos os pormenores e escrutinando
os suspeitos. ***** Sentado à
secretária, eu olhava uma folha manuscrita com alguns elementos respingados
dos vários relatórios entretanto recebidos. “Não foi encontrada nenhuma arma de fogo no
local, nem nenhuma cápsula”. “A vítima estava caída de costas”. “A queda para trás deixara a vítima com a
cabeça a 5 cm da parede”. “Havia muitas impressões digitais de
Alfredo espalhadas pelo local do crime”. “Havia também algumas impressões da
empregada da limpeza e de outras duas pessoas que no dia anterior tinham
estado lá em casa”. “O cadáver fora descoberto no dia 16 de
fevereiro, cerca das nove e meia da manhã, quando a empregada de limpeza
marcara presença no local. Ela tinha as chaves necessária para entrar na casa”. "A empregada encontrara a porta da casa
apenas encostada". “A primeira análise, baseada nas
temperaturas corporal e ambiental, apontara para a ocorrência do óbito na
noite anterior, dia 15, entre as 9 e as 11 da noite”. “A vítima vivia numa casa que estava
permanentemente vigiada”. “Na noite do crime, no intervalo temporal
em que presumivelmente ocorrera a morte, tinha havido quatro as pessoas a
entrar na casa da vítima, ou melhor, no seu quintal. Todos eram conhecidos da
polícia, pelas atividades exercidas, todas na margem da legalidade”. “Nenhum dos visitantes, à saída,
demonstrara qualquer anormalidade no comportamento, situação expectável
daqueles suspeitos”. “Alfredo era o responsável por um
carregamento de cocaína intercetado por nós, e por isso estava a ser vigiado,
para ver se encontrávamos mais algum dos chefes”. “A mercadoria, em elevada quantidade, e por
isso muito valiosa, pertencia a outro traficante. Não era do Alfredo”. “A vítima falava e escrevia fluentemente
inglês e alemão, embora quando escrevesse para os alemães, ou estes o
fizessem no sentido inverso, a comunicação fosse em língua inglesa”. "A porta da casa foi encontrada apenas
encostada pela empregada". ***** Peguei num outro
papel onde tinha a descrição dos quatro indivíduos suspeitos. Todos eles
tinham entrado na casa e entre eles teria de estar um assassino. “Meyer estava longe de ser um alemão típico.
Media só um metro e cinquenta e cinco centímetros, apesar de muito louro. Era
aquilo que normalmente se designa por pessoa má. Não tinha escrúpulos de
qualquer espécie. As suas estadias no nosso país eram irregulares. Na véspera
quando visitara Alfredo, fora visto entrar com luvas”. “Hans também era alemão. Este já parecia
pertencer à nacionalidade germânica. Com mais de um metro e oitenta de altura,
tinha olhos azuis e cabelo louro. Escrúpulos, também não possuía, como o
demonstravam as muitas atividades de legalidade duvidosa onde estava
envolvido, e também comparecera de luvas na casa da vítima. Vivia em Portugal
havia quatro anos”. Continuei a ler as
informações. Agora sobre os dois estadunidenses. “Campbell era natural do estado do Minesota. Alto,
com um metro e noventa e cinco, parecendo um jogador de basquetebol, entrara
na casa com luvas colocadas. O cabelo preto, curto, ornava uma cabeça onde se
ocultava um cérebro capaz de magicar as mais incríveis manigâncias. Não
falava português, como era próprio dos nativos de língua inglesa”. “Simon era natural de uma cidade grande:
Chicago. Talvez, por causa da sua origem, se julgasse um grande gangster. Cabelo castanho, assim como os olhos, marcavam
um rosto onde se desenhava a inocência de uma criança. O seu metro e
cinquenta e sete de altura ajudava a compor este aspeto infantil. Mas tudo
era fictício. Era um homem duro. Havia já três anos, assentara arraiais no
nosso país e era bem conhecido por todas as autoridades policiais. Para não
variar, visitara a vítima usando luvas”. ***** Pousei o papel e
pensei noutros pormenores. A apreensão da droga ocorrera dez dias antes, e
verificara-se, no comportamento de Alfredo, uma elevada preocupação.
Conseguíramos capturar uma carta que ele iria receber de um dos suspeitos.
Peguei na carta e depois vi alguns excertos, já traduzidos, à letra, da
missiva original, escrita em inglês. O sobrescrito não
tinha remetente nem impressões digitais, assim como a carta estava
completamente limpa. Tudo apontava para o seu autor ser também o assassino e
traficante. A escrita da missiva era motivada pelo facto de Alfredo não poder
pagar, nem conseguir, a enorme quantia em dívida. Por isso nós o vigiávamos.
Haveria o um contacto, disso nós tínhamos a certeza, mas nunca imaginamos o
assassino a correr tantos riscos. Ou o assassino
tinha sido o quarto a entrar na casa, ou todos, ou alguns, sabiam fingir
muito bem uma tranquilidade inexistente, tendo vindo embora quando
encontraram o cadáver. Entraram todos
pelo portão do quintal de muros altos, mas lá dentro não se sabia se tinham
ingressado na casa ou ficado à porta. Não era possível ter visto, apenas
havia a certeza, porque a casa tinha vigias em todo o seu perímetro, de que
mais ninguém passara para o quintal da casa. “Estou preocupado”. “Tem uma semana para me devolver o dinheiro”.
“Até poderiam ser 3 mil milhões, 4 mil
milhões ou 100 mil milhões”. “Quero
os meus 4 milhões”. “A culpa da
apreensão foi sua”. “Não tratou do
assunto devidamente”. “Se não
pagar, morre”. “Já sabe qual será o
seu destino se eu não receber o dinheiro”. Como era óbvio, o
dinheiro não fora devolvido. A Luísa, uma
colega de trabalho constituinte da equipa de investigação, aproximou-se. – Então, já se sabe mais alguma coisa? – Penso saber quem
foi o assassino. Achas pouco? – E vais fazer o
quê? – Vou fazer um
relatório e enviá-lo para o Ministério Público. Está nas mãos do Procurador a
decisão a tomar. ***** O Procurador
decidiu bem e o juiz julgou, pois tudo veio a ser provado em audiência,
apesar de o assassino acabar por confessar. Em tribunal provou-se o modo como
foi cometido o crime. Demonstrou-se a legalidade das buscas, ficou evidente a
necessidade da vigilância, ficou demonstrado ter sido o matador a escrever a
carta, não fingindo ser outra pessoa, revelou-se que uma arma encontrada na
posse do assassino tinha servido para abater a vítima e ficou exposta a
pertença ao homicida da droga apreendida. ***** Aqui,
interrompe-se a narrativa e pede-se aos leitores, para, com base nas linhas
escritas acima, apresentarem um raciocínio indicador de quem foi o assassino. SOLUÇÃO E CRITÉRIOS DE PONTUAÇÃO |
©
DANIEL FALCÃO |
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