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22 de Março de 1957. É
publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”,
orientada por Jartur – curiosamente, por lapso
tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”. Domingos Cabral, com 15 anos completados
recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”,
transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha
fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de
Aventuras”, de que era leitor há alguns anos. Sabendo, por isso, que era habitual o uso de
pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um,
acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector
Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido
pelo Autor (Jartur), após resolver o caso,
dirige-se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que
ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante
começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”…
De qualquer forma, iniciou-se, assim, um longo caminho… In Mundo dos
Passatempos, 1 de Setembro de 2007 Correio Policial, 14 de Maio de 2021 |
PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA
POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a
editar) 35 CICLO REINALDO FERREIRA “REPÓRTER
X” CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 37 A CORDA DE JUDAS … Eu notei que Júlio Rocha estremecera na cadeira
quando, no palco, o Judas se enforcava na figueira scenografica…
a sua perturbação era por tal forma evidente que, no intervalo, abanquei com
ele no bufete do teatro e exigi uma explicação: – Você notou que me impressionei? – disse ele contrafeito. Notou e admirou-se que eu, actor com tantos anos de scena,
me emocionasse ainda com esses simulacros teatraes
feitos para burlar a boa fé papalva do público em
geral. «O que tu não sabes é que eu já representei essa
peça centenas de vezes… Que eu, no «Mártir do Calvário» que tu aí vês, fazia
o «Judas» e me «enforquei» em arvores de papel, em
todas as terras da província. E precisamente por isso é que me afligi… Queres
ouvir? «Trabalhava eu então na companhia de Felix Gomes, que percorria Portugal do Norte ao Sul,
exibindo dramalhões de todos os tempos… Era um hábil empregado e um péssimo actor... Representava mal mas ganhava bem. «O reportório era variadíssimo. Havia Sardou, com
a «Feiticeira»; havia Dumas com «Os Três Mosqueteiros» e o «Conde de Monte
Cristo»; havia Fleubert com «A Vida de um Rapaz
Pobre»; havia Camilo com o «Amor de Perdição»… Mas,
de todas as obras, a que dava mais lucro era o «Mártir do Calvário»… “Do elenco, que era o mais resumido possível
havia três artistas de Lisboa: o Jorge Santana, que fazia de «Cristo»; a Inez Rodrigues, que era a «Maria Madalena»: e a Jesuína
Vieira, que era a «Virgem Maria»… «Jesuína Vieira esteve para casar comigo, como tu
sabes. Só uma infâmia impediu a realização desse casamento… Inez Rodrigues, rival, no cartaz, de Jesuína – era-o
também nos amores. Metera-se-lhe na cabeça que havia de ser minha mulher e
passava a vida a inventar calúnias para me separar da minha noiva como me
separou… Por sua vez, Jorge Santana, que no fundo era um tímido, amava em
silêncio Inez – que não fazia caso dos seus ares
tristes e das suas lamúrias sentimentaes… «Uma noite, em Coimbra, representávamos nós o «Mártir»… E num intervalo chamei os três artistas de Lisboa
ao meu camarim e, a pretexto de eu fazer anos, ofereci-lhes champanhe…
Recordo-me que precisava assinar a tabela (eu era ensaiador) e como tinha o
lápis sem bico, pedi um canivete ao contra-regra… O
contra-regra não tinha canivete; o único que possuía uma lâmina era Jorge
que m’o emprestou… «Chegado à scena do
enforcamento, atei à cintura a correia, que passava pelos ombros e que, rematada
por uma argola, devia dependurar-me num prego da figueira scenografica,
enquanto a corda se enrolava à volta do pescoço… Um truc… «Bom… Vou para a scena;
enrosco a corda à volta do pescoço; o carpinteiro, oculto atrás da figueira,
mete a argola no prego e eu deixo-me cair, certo que estava preso pela
argola… «Mas ai! Um instante depois senti que a correia
se partia – e num segundo tive a noção que «Judas» se vingava e que eu ia
morrer enforcado em castigo de o representar tão mal no teatro… «Só um milagre me salvou… esse milagre foi outro
prego em que eu apoiei um pé… * * * «Descido o pano, fiz escândalo… Veio toda a
companhia protestar comigo. Contra quem? Ninguém sabia… «Tirei a correia e vi então que ela tinha sido cortada, e que eu fora dependurado na
figueira preso por um milímetro apenas – que não tardou a rasgar-se… «Quem fora o autor da proeza? Quem quizera que eu morresse enforcado? Não era difícil advinha-lo… De todos os artistas
da companhia só um… podia ter praticado esse crime! * * * Releiam as palavras em itálico deste conto e uma
ligeira reflexão sobre elas vos dará a decifração deste mistério... CONCURSO DOS CONTOS
MISTERIOSOS Nº 38 A REVELAÇÃO DE MARIETA – Diga… quem furtou o anel de brilhantes? Você
sabia onde eu guardava as minhas joias, era
o único dos meus creados que entrava, a qualquer
hora do dia ou da noite, nos meus aposentos, todas as suspeitas recaem
naturalmente… A creada Marieta, que
ouvia, chorosa e cabisbaixa, estas acusações da patrôa,
não a deixou concluir: –Juro-lhe, minha senhora, que não fui eu! – Mas sabe quem foi? Suspeita de alguém? – Não sei… não suspeito… Um soluço entrecortou estas palavras da creada, mignonne, galante, que há meia dúzia de anos servia aquela
casa. * * * Em volta das duas mulheres, da Marieta e da patrôa especavam-se, hirtos, solenes, enigmáticos, outros
servos: o cozinheiro, o creado de mesa, o chauffeur. Depois duns momentos de silêncio, a acusação prosseguiu,
cortante, implacável: – Vamos, Marieta, confesse… Só você, repito, poderia ter furtado o anel. Tudo a acusa… Bem vê
que é tolice continuar a negar! Marieta, sempre de olhos baixos e chorando,
replicou molemente: – Creia, minha senhora, que falo a verdade. Não
furtei o anel, nem sei quem o furtou. – Já que você não quer confessar - gritou então,
encolerizada, a patrôa – vou entregar o caso à
polícia! No calabouço, saberão arrancar-lhe a confissão!... A creada prorrompeu num
choro mais intenso e ocultou o rosto no avental. Toda ela tremia. A ideia de
que ia ser presa lançara-a num desespero confrangedor. A patrôa ainda ensaiou
outra tentativa: – Se você não quer que eu chame a polícia, diga
toda a verdade… Onde escondeu o anel. Empenhou-o? Vendeu-o? Entregou-o a alguém… ao seu namorado? – Não, minha senhora, não furtei o anel. Estou
inocente, juro-lhe! * * * A patrôa ia a
retirar-se disposta a comunicar o ocorrido à esquadra mais próxima, quando o creado de mesa, pedindo vénia, disse respeitosamente: – Eu e os meus colegas estamos prontos a fazer o
impossível para que o autor do furto seja desmascarado. Assim, se vosselência
nos consente, antes que intervenha a polícia, daremos uma busca a toda a
casa… Começaremos pelo quarto da creada… Mal ouviu estas palavras, Marieta, num estremeção
de energia, exclamou: – No meu quarto ninguém entra! Ainda não esqueci
uma conversa que você teve comigo há duas semanas. Você prometeu vingar-se,
por eu não lhe dar trela e disse que
havia de fazer com que eu fosse despedida desta casa por gatuna! É muito
capaz, para me comprometer, de ter furtado o anel e ir esconde-lo no meu
quarto! A patrôa ficou
silenciosa e surpresa. O creado de mesa,
ligeiramente pálido, mas dando-se ares de homem superior, que nenhuma calúnia
atinge, respondeu em tom afectadamente sereno: – Ora, ora… Eu requestá-la? Não tinha mais em que
pensar, sabendo, como sei, que você tem namorado, por sinal um larápio que já esteve preso mais do que uma vez… – É mentira! – rompeu
furiosa a creada. O meu noivo nunca esteve preso!
Você diz isso, porque anda roído de ciúmes! * * * E o dialogo ameaçava
tomar maiores proporções, quando a patrôa, impondo
calma e compostura, alvitrou: – O caso decide-se deste modo… Fecho-os a vocês todos
num quarto, enquanto eu vou passar a busca… Todos aquiesceram, incluindo a galante Marieta,
mas no instante preciso em que a patrôa ia efectivar o seu ultimato, a creada
arrojou-se-lhe aos pés, trémula, a balbuciar: – Estou inocente, minha senhora, juro-lhe que
estou inocente… Calou-se durante uns segundos, que pareceram uma
eternidade, e depois, num arranco, como
decidida a uma revelação que lhe era extremamente penosa: – Mas, sei quem furtou o anel de brilhantes! Foi… * * * Raciocinem; releiam as linhas em itálico. Nota: Na transcricção
destes dois contos/problemas foi mantida a grafia da época (1927).
De
entre as várias publicações – jornais e revistas editadas por Reinaldo
Ferreira, destacou-se a que, sob este título sub-título
saiu a público a 9 de Agosto de 1930, terminando a sua vida a 7 de Junho de
1933, após 130 números publicados. “A
equipa de redatores e colaboradores que assegurou a sua produção não foi
estática, pelo contrário, evolui bastante no tempo. No primeiro ano, contou
com a colaboração de Rocha Martins, à época proprietário da revista ABC.
Ernesto Belo Redondo, Américo Faria, João Paulo Freire, sob o pseudónimo de
"Frei Gil d'Alcobaça", Augusto Ferreira Gomes, Eduardo Frias, Artur
Inês, José Maria Marques Costa Júnior, Tomás de Almeida, Ilídio de Almeida,
Guido Ruivo, César Pulimo, o fotógrafo Armando
Serôdio, os ilustradores Iberino dos Santos e Stuart Carvalhais, o
caricaturista TOM, entre outros. Mais tarde, outros jornalistas se associaram
ao projeto, nomeadamente Alberto Lima, António Boto, Fernando Cal, J. Vieira
Alves, Hugo Rocha, Guido Severo, Santos Pereira, Alfredo Marques, Artur Portela,
Álvaro Anselmo, Jaime Brazil, Norberto Araújo, Sá
Pereira, Lino Pinto, Herculano Pereira, Aragão Paiva, e também o ilustrador
Octávio Sérgio.” (Extracto de um texto de Rita Correia – Hemoteca Municipal de Lisboa)
Fontes: Secção
Correio Policial, 14 de Maio de 2021 | Domingos Cabral Blogue Repórter de
Ocasião, 15 de Maio de 2025 | Luís Rodrigues |
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© DANIEL FALCÃO |
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