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Autor Data 1 de Outubro de 2025 Competição Torneio do Cinquentenário de
“Mistério… Policiário” Problema nº 10 Publicação Blogue Repórter de Ocasião |
NA TASCA DO ZEFERINO Vic Key Às
sextas-feiras, na Tasca do Zeferino, depois da hora de encerramento, havia sempre
tertúlia. Jogo da sueca, petiscos, bom vinho e conversa animada reuniam os
quatro amigos de longa data: Alberto, proprietário da única farmácia da vila,
leitor apaixonado de clássicos e diários desportivos; João, tranquilo
agricultor de pomares e vinhas, fornecedor do melhor vinho da casa; Jorge,
carteiro, versejador e fadista amador; e o dono do estabelecimento, que tinha
também um dos mais impressionantes bigodes da Freguesia e uma notável colecção de carros antigos. Como
de costume, desde que voltara para Vilar da Pedreira, Frederico, mais
conhecido por "Traquitanas", um filho da terra que andara a correr
mundo, deixou-se ficar numa mesa, a arrastar a última cerveja e a desfiar as
suas fantasias. Já em pequeno era assim, e talvez viesse daí a sua alcunha. O
mundo real aborrecia-o um tanto, pelo que se refugiava na sua actividade preferida de químico auto-didacta
e inventor independente. Escusado será dizer que poucos o levavam a sério,
sobretudo desde que em garoto o seu "aditivo especial para motores a
dois tempos" atirou muitas Famel e V5 para a
oficina e os seus donos para a troça pública. Pelas
duas da manhã, o "Traquitanas" ainda monologava o seu tópico
preferido: o "motor a água"! Os da tertúlia sorriam daqueles
devaneios. Menos o farmacêutico, que, de ar pensativo, concentrado no jogo da
sueca, sentenciava: "Tanto fala no motor a água, que um dia ainda é
raptado a mando de alguma petrolífera!". Passada
uma hora, rumaram a casa, bem bebidos e desopilados, uns mais direitos que
outros e o "Traquitanas" muito às curvas, de modo que o grupo ainda
o acompanhou com o olhar, não fosse ele cair nalguma ribeira das que
atravessam a pitoresca povoação. O
sábado amanheceu lindo, primaveril e ensolarado. Só uma pessoa em toda a vila
não estava com disposição para o desfrutar. Pelas onze horas, o Raul, amigo
verdadeiro e benfeitor do autoproclamado inventor, foi convidá-lo para
almoçar. Fartou-se de bater à porta, sem resposta. Acabou por decidir-se a
entrar, não viu o seu protegido e ficou preocupado. E ainda mais quando
reparou numa garrafa de cerveja quase vazia, com meia dúzia de pontas de
cigarro no fundo, sobre a mesa de trabalho de Frederico, mais conhecido como
"Traquitanas", onde se amontoavam os esquemas enigmáticos das suas
máquinas e tralhas diversas. Havia duas cadeiras, uma de cada lado da mesa. A
garrafa de cerveja, cinzeiro improvisado, de estranhar em casa de um não
fumador, inquietou Raul. A sua primeira ideia foi chamar ajuda, mas ao fim e ao cabo, um homem adulto e celibatário é livre de
voltar ou não para casa sempre que bem lhe apeteça. No
entanto, alguma coisa lhe dizia que o seu amigo não se achava fora de livre
vontade. Considerou os indícios da teoria que começava a germinar no seu
cérebro. De tudo o que estava sobre a mesa do génio incompreendido, chamaram-lhe a atenção os cigarros, que eram daqueles
franceses, com o desenho de uma bailarina de flamenco na embalagem azul. A
caneta esferográfica, com a inscrição "Ricordo
di Venezia" e o desenho de uma gôndola,
abonava a favor da sua fama de viajado. Havia ainda um baralho de cartas de
jogar de temática de Animais Africanos, a pisar as cartas da zebra, do
flamingo e do rinoceronte, viradas para cima, e um frasco ainda por encetar,
com um rótulo que dizia “Xarope de Própolis”. A cama da singela habitação de
solteiro estava por fazer. Dos projectos e esquemas
nada entendeu. Talvez fossem apenas elucubrações de uma mente fantasiosa. Quando
chegou a casa, toda a família lhe estranhou o semblante carregado e a
ausência do esperado conviva, que era sempre garantia de entretenimento para
as crianças, com histórias mirabolantes e gracejos sempre prontos. Toda
a tarde Raul se atormentou: "E eu que gosto tanto de resolver problemas
policiários... em miúdo até participava nos Torneios
do “Mundo de Aventuras”, e agora não consigo desvendar este!". Tentou
mostrar-se calmo, não quis preocupar a Esposa, mas os pensamentos
borbulhavam. Lembrou-se
de levar o xarope ao Alberto da farmácia, que confirmou que o vendera na
véspera para tratar a tosse rebelde do "Traquitanas". Ficou muito
abalado com a notícia do desaparecimento, e, enquanto Raul se afastava, ainda
veio à porta da farmácia gritar, levantando os braços: "Eu avisei que
isto havia de acontecer!". Raul
passou pela tasca onde o amigo costumava parar, e todos confirmaram ainda não
o terem visto. A preocupação crescia. Mas o nosso homem não desistiu. Já era
quase de noite quando, depois de muito remoer, deu uma palmada na testa e
correu a chamar a Polícia: "Tenho a certeza de que sei onde está o Frederico!"
- dizia ele em voz alta para si mesmo, apressando o
passo. E
sabia. Foram encontrar o desafortunado inventor numa certa cave, abandonada,
em Vilar da Pedreira, prisioneiro de alguém que queria por força arrancar-lhe
o segredo da sua suposta invenção. Estava esfomeado e desorientado, mas
resistiu galhardamente. Diz
quem passou recentemente na vila que o famoso motor funciona e está em
testes. Se tudo correr bem, Portugal terá alcançado a sua independência
energética e Frederico Costa, o "Traquitanas", terá uma estátua na
praça principal. E o Raul bem merece figurar a seu lado… Não
contamos aqui como é que o Raul descortinou quem sequestrou o seu amigo, nem
revelamos a identidade do criminoso, porque o detective
amador de Vilar da Pedreira nos pediu que usássemos a sua aventura para
testar o raciocínio dos nossos leitores e recomendar-lhes que se exercitem
nos mistérios… policiários! APRESENTE
A SUA “PROPOSTA DE SOLUÇÃO”! |
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© DANIEL FALCÃO |
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