Autor Data 24 de Abril de 2005 Secção Policiário [719] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2004/2005 Prova nº 6 Publicação Público |
Solução de: UM CASO INSÓLITO Rip Kirby O facto de, no ferimento
provocado pela bala, não se verificar a existência de resíduos de pólvora,
nem sinais de queimadura significa que o tiro não foi disparado de perto, o
que desde logo afasta a hipótese de suicídio. Não tendo sido suicídio, a
nossa tendência seria de imediato para concluir pela ocorrência de um
assassínio. Porém, as aparências iludem e o que de facto aconteceu foi um
acidente. Acidente só possível devido à total ignorância do Evaristo Relvas
no que diz respeito a armas, ao seu manuseamento e aos cuidados a ter com
elas. Com a fortuna chegaram
também, para o meu infortunado amigo, as preocupações com a sua preciosa vida
e, para a defender, não achou nada melhor do que se armar. Não cuidou, porém,
de se instruir no manejo de armas. Para ele, ao fim e ao cabo, o que era importante era ter pontaria e
para a ganhar nada melhor do que se treinar no tiro. Como não podia perder
tempo – é uma situação que acontece com todos os novos-ricos –, decidiu fazer
esses treinos no seu próprio gabinete que, como vimos, está mobilado da
maneira mais estrambólica que se possa imaginar. Porque não sabia o perigo
que isso representava e nem para tal foi alertado, deixou as duas estatuetas
de bronze maciço ladeando o improvisado alvo. O inevitável aconteceu. A pontaria dele era
medíocre, como se pode comprovar pelas inúmeras perfurações fora do alvo. E
tantas vezes a cantarinha vai à fonte que acabou por lá deixar a asa: um dos
tiros atingiu uma das estatuetas e o projéctil,
fazendo ricochete, foi entrar no olho do Evaristo provocando-lhe a morte. É
por esse motivo que o sargento Silveira encontrou dois umbigos numa delas e é
também por isso que a bala que foi extraída da cabeça de Evaristo se encontra
muito danificada. Na realidade, o que ao sargento Silveira pareceu um segundo
umbigo mais não era do que a mossa provocada pelo embate da bala. Segundo o médico legista, a
morte ocorrera havia mais de uma hora e menos de duas. Isto situa-a entre as
10h30 e as 11h30. Este facto elimina desde logo Armando Relvas, que saiu do
gabinete às 09h15 e Ernesto Fernandes, que, por sua vez, saiu às 09h40.
Manuel Mateus entrou às 11h30, ou seja, dentro do limite mais curto, mas, de
acordo com o relato da secretária de Evaristo, permaneceu menos de um minuto
no gabinete onde ocorrera a tragédia. Menos de um minuto é tempo
suficiente para um homem disparar sobre outro e desaparecer, mas para isso
seria preciso que já fosse prevenido com a arma. Neste caso, a arma é de
Evaristo e para a usar Manuel Mateus teria que a tirar ao patrão, o que
implicaria luta e gasto de algum tempo. Depois, teria de efectuar
a limpeza da arma para fazer desaparecer as impressões digitais. Ora, se
esteve menos de um minuto no gabinete, Manuel Mateus não teve tempo para
eliminar o patrão. Além disso, o corpo de Evaristo não apresenta qualquer
sinal de luta. Por este motivo também não se estranha que o operário soubesse
da morte do patrão. Afinal havia sido ele o primeiro a entrar no gabinete
depois de tal ter ocorrido. Ernesto Fernandes também
demonstra ter conhecimento da morte de Evaristo, mas nisso não há nada de
estranho, pois é natural que a esposa o tivesse informado no decorrer do
almoço. E é tudo. Os meus
agradecimentos e as minhas desculpas a todos aqueles que se lançaram na busca
do desfecho desta história tentando reavivar a minha memória, mas isto foi só
uma partida que vos quis pregar para saber até onde ia o vosso espírito de
solidariedade. Então não acharam estranho que eu me lembrasse de tantos
pormenores e não me recordasse precisamente do seu final – que era o mais
fácil de recordar?... |
© DANIEL FALCÃO |
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