Autor Data 14 de Março de 2004 Secção Policiário [661] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2003/2004 Prova nº 5 Publicação Público |
Solução de: O MISTÉRIO DA VIVENDA COR-DE-ROSA Rip Kirby Adélia Mascarenhas morreu
asfixiada por óxido de carbono. As faces rosadas e os lábios de um
vermelho-vivo são disso indício. Acidente? Suicídio? Crime? É o que iremos
analisar de seguida. É ponto assente que este
tipo de morte geralmente acontece por acidente ou suicídio, já que ninguém se
deixaria matar daquela maneira a não ser que estivesse indefeso. Portanto, em
princípio, a hipótese de crime fica em suspenso. Acidente salta
imediatamente aos olhos que não foi. A mangueira estabelecendo contacto entre
o tubo de escape e o interior do carro não pode estar ali acidentalmente.
Assim, a possibilidade de suicídio ganha vulto. No corpo de Adélia não
existem sinais de violência. É verdade que a senhora se encontrava indefesa,
pois certamente que o forte sonífero cujos vestígios foram encontrados no
corpo depressa a adormeceu. Mas será que a droga foi
tomada voluntariamente ou lhe foi administrada por alguém? Este é um facto
difícil, ou aparentemente difícil, de provar. Será? Parece que não, ou, pelo
menos, no texto encontraremos dados que levantarão muitas dúvidas. Vejamos. No carro foi
encontrado um exemplar do jornal PÚBLICO no qual, entre outras notícias,
vinha noticiado a inauguração do Estádio Jorge Sampaio, em Vila Nova de Gaia.
Esta notícia fazia parte do suplemento Local, edição do Porto. Na edição de
Lisboa não foi abordada. De referir que a edição do Porto apenas é
distribuída no Norte de Portugal. Foi também encontrado no porta-luvas do carro
em questão um recibo do Totoloto registado na véspera numa agência do Porto
às 17h05m35s. Estes dois pormenores revelam-nos que no sábado, às 17 horas,
aquele carro se encontrava no Porto e que no domingo pela manhã ainda lá se
encontrava ou nos seus arredores. O sargento Silveira
encontrou também um talão da portagem de Sacavém datado daquele dia às 8h45
para veículos classe A e cuja taxa inscrita era €16,65. Esta é a taxa cobrada
a veículos daquela classe que percorrem a auto-estrada
A1 em toda a sua extensão. Foi ainda encontrado um talão de abastecimento de
gasolina na área de serviço de Pombal com data daquele dia às 7h40. Estes dois talões
demonstram que aquele carro havia percorrido a auto-estrada
Porto-Lisboa em toda a sua extensão naquela manhã. Aqui coloca-se uma
pergunta: teria Adélia Mascarenhas ido ao Porto no carro com que
habitualmente andava o marido? É evidente que não foi. No
sábado às 18 horas, quando o filho lhe telefonou, ela encontrava-se em casa,
pelo que não podia ter registado o Totoloto no Porto pouco depois das 17
horas. Como fomos informados pelo marido, ela não tinha telemóvel. Por outro
lado, o modo como ela se apresentava vestida não era o de quem acaba de
chegar de uma viagem. Analisemos agora a questão
a partir de outros pressupostos. Sobre a mesa da cozinha foram encontradas
migalhas de bolo de chocolate e de cavacas. No relatório da autópsia consta
que no estômago de Adélia foram encontrados restos de bolo de chocolate, mas
nada se refere no que diz respeito às cavacas. Portanto, Adélia comeu o bolo
de chocolate ou parte dele, mas não tocou nas cavacas. Se destas existem
migalhas sobre a mesa é sinal que alguém as esteve comendo e se Adélia não
foi é porque esse alguém lhe esteve a fazer companhia. Quem teria sido? Nem
mais nem menos de que Orlando Mascarenhas. No copo encontrado com restos de
leite sobre a mesa, as únicas impressões digitais que foram detectadas foram as dele, mas apenas no rebordo – o que
indica que as restantes foram limpas, já que as
encontradas revelam que o copo foi seguro na ponta dos dedos indicador e
polegar para ser limpo. Este facto demonstra que Orlando Mascarenhas estava
naquela manhã em Lisboa e não a caminho de Braga, como quer fazer crer. Mas como foi isso possível?
Como estamos recordados, dentro do carro onde aconteceu a morte de Adélia,
para além do que já foi referido, foi encontrado um aviso para o pagamento de
uma multa passada pela PSP de Santarém na noite de sexta-feira, por
estacionamento indevido, e também um bilhete obliterado de Lisboa para o
Porto para o Alfa das 7h55 de sábado. Por outro lado, Orlando não tinha com
ele o bilhete que presumivelmente teria usado mas, em compensação, tinha um
para o Intercidades das 17h55 de Santarém para Lisboa. Com estes elementos podemos
estabelecer o modo como Orlando teria agido. Na sexta-feira ele levou o carro
para Santarém, tendo regressado a Lisboa no Intercidades atrás referido. No
sábado compra um bilhete para o Porto para o Alfa das 7h55 em que segue
viagem; contudo, sai em Santarém com o bilhete já obliterado. Ao chegar junto
do carro verifica que havia sido multado. Mete o aviso no porta-luvas e,
possivelmente distraído, o bilhete também, continuando a viagem até ao Porto.
Porém, calcula mal o tempo da viagem e regista-se na pensão cerca de 15
minutos antes da hora prevista para a chegada do comboio em que era suposto
ele viajar. No domingo de manhã sai cedo dizendo que vai a Braga, mas na
realidade volta para Lisboa parando na área de serviço de Pombal para
reabastecer o carro e onde certamente comprou o bolo de chocolate, as cavacas
e o pacote de leite com chocolate. Antes de seguir viagem mistura o sonífero
no leite, agita para dissolver e coloca o pacote sobre o banco, provocando as
manchas que se esqueceu de limpar ou limpou mal. Chega a casa cerca das nove
horas ou um pouco mais, encontra a esposa ainda na cama e sob qualquer
pretexto convence-a a acompanhá-lo à cozinha para tomarem o pequeno-almoço.
Ele come algumas das cavacas e bebe um copo de leite, a esposa come o bolo de
chocolate e bebe o leite com chocolate e pouco depois cai em sonolência e
adormece. Orlando pega nela, leva-a para o carro e senta-a frente ao volante.
Antes, porém, põe o motor a funcionar. Com a mangueira estabelece a ligação
entre o escape e o interior do carro, fecha as portas e com a camurça molhada
passa pela carroçaria para eliminar possíveis impressões. Volta à cozinha, limpa o
copo que usou, mas esqueceu-se dos dois dedos – com cujas pontas o segurou – e
da embalagem do leite com chocolate. Sai e vai tomar o Alfa das 10h55 para o
Porto onde chega presumivelmente pelas 14h15. No decorrer da viagem telefona
para lembrar a mulher da necessidade de, no dia seguinte, levar o Mercedes à
revisão. Para quem saiu às 5h30 para ir a Braga e voltar às 14h15 sem se ter
encontrado com o amigo, é muito tempo. Talvez não possamos acusar frontalmente
Orlando Mascarenhas. Talvez os investigadores tenham alguma dificuldade para
o incriminarem sem uma confissão, mas as contradições entre o que ele afirma
e o que as provas encontradas nos demonstram são suficientes para o
comprometerem e o levarem a julgamento. Um inocente não tinha necessidade de
tantas mentiras. |
© DANIEL FALCÃO |
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