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Autor Data 20 de Maio de 2007 Secção Policiário [827] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2006/2007 Prova nº 7 Publicação Público |
GUARDA-ME A ÚLTIMA DANÇA Peter Pan (Ao
nosso querido capitão Dic Roland – que
possa estar algures num sítio bonito como o Tahiti…) O Esmeralda estava ancorado
na baía de Cook desde essa manhã. Era uma visão magnífica aquele grande
veleiro enquadrado pelo recorte da vegetação e das montanhas vulcânicas de
Moorea. Era a beleza indescritível do Tahiti no Pacífico Sul. Eu estava no clube Bali
Hai, ali nas margens da baía e desfrutava daquele espectáculo. No dia
seguinte, os hóspedes do clube foram presenteados com um convite do
Comandante do Esmeralda para um baile no convés do navio ao princípio da
noite. O ambiente era informal mas
de alguma forma solene, pelo menos ao princípio. A banda do Esmeralda já
tocava quando as pessoas começaram a subir. Tínhamos que percorrer uma curta
distância, desde o clube até ao veleiro, num pequeno barco a motor. As
pessoas amontoavam-se no pequeno cais do Bali Hai à espera da sua vez. Havia
muitos americanos e foi rodeado por alguns desses casais que fiz a curta
viagem. O Esmeralda estava
engalanado com fitas e balões e tanto a tripulação como a banda exibiam os
altivos uniformes. O comandante era um indivíduo cortês e de trato simples e
agradável. Percebia-se que os cadetes o tinham em grande respeito e mesmo nas
brincadeiras e ditos a que pude assistir eles sabiam bem até onde podiam ir.
Quando finalmente o convés da popa se encheu e estava literalmente
transformado em pista de dança, a banda do navio-escola irrompeu a tocar em
tutti uma célebre melodia de salsa chilena e a inibição inicial das pessoas
desapareceu por completo. A noite começava a cair e
nas margens eram cada vez mais intensas as luzes das casas ao redor da baía.
E também cada vez mais nítido o brilho único das estrelas no céu do Pacífico
Sul, algo impossível de apagar da nossa memória. O baile decorria cada vez
mais animado e o ambiente estava fantástico. Havia um sector do convés onde
um cadete barman improvisado servia cocktails e bebidas de várias cores. Eu
perdia-me por piñas coladas e foi depois de duas ou três que me apercebi da
chegada de Vaiani. Soube depois o seu nome embora não tenha tido oportunidade
de chegar perto dela. Os cadetes estavam autorizados a confraternizar e havia
um número bastante razoável de raparigas, entre americanas, francesas e
algumas nativas. Vaiani era uma delas. Teria os seus 20 anos e, apesar da
simplicidade em geral das mulheres tahitianas, tinha porte altivo e uma
grande auto-confiança que só a juventude pode conferir. O seu olhar era de
cortar a respiração. Vinha com a grinalda tahitiana na cabeça, o colar de
conchas e o pareo que lhe envolvia o corpo esbelto. A partir da sua aparição
concentrou todas as atenções. E não eram só os cadetes a requisitar os seus
braços; vários turistas, americanos sobretudo, tiveram a sua oportunidade. A
certa altura um dos cantores de serviço da banda inflectiu dos temas
latino-americanos e começou com um tema conhecido, ainda assim bem a condizer
no seu carácter festivo. A canção perfeita, diria; feliz, insinuante, ingénua
e malandra ao mesmo tempo e embalados por aquela alegria contagiante só
apetecia dançar e seguir aquele som por todo o lado; o nome dessa melodia:
Save the last dance for me. Um largo sorriso meu acompanhou a figura de
Vaiani ao som daquela canção. Apesar de muito solicitada, ao fim de um certo
tempo percebi que alguns dos cavalheiros começavam a conseguir mais danças
com Vaiani. Um deles era um oficial do Esmeralda, um indivíduo alto e bem
parecido e de uma tez tipicamente sul-americana. Destacava-se aprumado no seu
belo uniforme branco e era um dançarino exímio. O segundo era um turista
americano que me lembrava de ver no Bali Hai, um sujeito loiro, ainda novo e
do tipo folgazão. O terceiro era um francês que esteve uma boa parte do tempo
junto de comandante e soube mais tarde que era o representante das
autoridades locais naquele evento. Nenhum dos três teria mais de 30 anos e a
presença de Vaiani era um chamamento irresistível. Mais tarde, alguém me disse
que a jovem descendia de antepassados da realeza tahitiana, ainda antes da
Polinésia se transformar num protectorado francês. E apesar da confusão era
difícil não olhar para a beleza daquele corpo em movimento. Mesmo o grupo de
pessoas mais próximo do comandante, entre os quais um alto nativo tahitiano,
de magnífico porte atlético, seguia-a com atenção. Este parecia estranhamente
sério e alheado da folia incontrolada em redor. Algum tempo depois, o
comandante e várias pessoas deixaram o convés e, pelo que soube, desceram
para os seus aposentos na popa para um brinde especial e mais em privado;
aquela jovem tahitiana, de colar de flores de tiaré, foi uma delas. Eu, nessa
manhã, tinha tido a oportunidade de conhecer o barco e havia-me sido
facultado um prospecto com a planta dos compartimentos em baixo. Tinha estado
uma boa parte da tarde a estudar o interior da Dama Branca por pura diversão.
E foi por impulso e sem ser convidado que tentei seguir aquele grupo. Ainda
consegui descer mas fui barrado, no corredor em baixo, no local da Detallía.
Aí, um cadete estava a controlar a passagem e, ao ver o gabinete da Detallía
aberto, perguntei ao oficial subalterno que lá estava se podia entrar. Ele
foi simpático e disse que sim e estivemos um bom bocado à conversa. Penso que entretanto terei
perdido a noção do tempo e da festa que decorria lá em cima e da outra mais
privada, ao longe, no fundo do corredor. O oficial da Detallía chamava-se Cid
Geraldo e em breve nos tornámos bons amigos. Reforcei a ideia de os chilenos
serem uns tipos bem calorosos e sempre prontos para um naco de conversa. A
porta ficara aberta e eu estava sentado e podia ver todo o corredor, ao
longo, até ao local da cabine do comandante. Só havia outra saída visível, a
meio do corredor, para o convés da popa, em cima, para além daquela do ponto
onde estávamos. Durante uma boa meia hora estive à conversa com o meu novo
amigo, até que um cadete o veio substituir. Geraldo disse-me que podia
continuar a ver a carta da rota de el buque, que ele não demoraria. Vi-o ir
até ao fundo do corredor e entrar na sala de estar do comandante onde
decorria o convívio VIP. O cadete que ficou comigo embrenhou-se com uns
papéis e eu por uns minutos abstraí-me do corredor e fiquei a consultar a
rota e o mapa da região que tinha entre mãos. A verdade é que Geraldo não
voltou. Normalmente os oficiais
acompanhariam o seu comandante se saíssem com ele. Por fim a comitiva que
estava com o comandante deixou os seus aposentos. Ao chegar diante da
Detallía e rumo ao convés em cima, reparei em algo curioso: excepto uma das
personagens, não vi passar Vaiani, nem o oficial chileno ou o turista
americano que, soube mais tarde, era um cantor canadiano de Vancouver, no
início da sua carreira internacional; eram os mesmos que haviam tido a sorte
de melhor conhecer os encantos da bela nativa tahitiana. Esperei ainda um pouco. Lá
em cima ouvia-se perfeitamente uma voz que cantava um tema de Cole Porter e
não era em castelhano ou em inglês Pergunta-se: 1 – Quem levou Vaiani para
terra e com ela o seu coração? Concretize a sua resposta. 2 – Localize os “suspeitos
por Vaiani” quando voltámos a subir. |
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© DANIEL FALCÃO |
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