Autor Data 9 de Maio de 2004 Secção Policiário [669] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2003/2004 Prova nº 7 Publicação Público |
Solução de: CRIME NO ESCRITÓRIO Paulo 1. Antes de mais nada é
necessário localizar o crime no tempo. Comecemos por escalonar
cronologicamente algumas acções, para desse modo se
poder verificar quem estava no escritório quando o crime foi cometido. a) 8h15 – chega Geraldo. b) 8h30 – chega Alberto. c) 8h58 – chega Roberto. d) 9h00 – chega Matilde. e) Um pouco antes das 10h00
– Roberto vai ao gabinete de Alberto. f) Cerca das 10h00 Alberto
sai do gabinete. A porta fecha-se e Alberto vai aos correios. g) 10h30 – Roberto sai para
o exterior. h) 10h30-10h40
(aproximadamente), Matilde está na casa de banho. i) 10h45 – regressa
Geraldo. Vai ao gabinete de Alberto e encontra-o morto. j) Poucos minutos depois
das 10h45 regressa Roberto. 2. De seguida, é necessário
concluir sobre a hora em que ocorreu o crime. Na verdade, há duas informações
contraditórias. I – A temperatura do corpo
aponta para morte entre as dez e as onze horas. II – A análise do conteúdo
do estômago apontava para a morte uma hora após a ingestão dos alimentos. É necessário descodificar
esta segunda informação para se concluir qual será a hora para que ela
aponta: i) Admitindo que Alberto
tivesse comido o mais tardar às oito horas e quinze minutos, a morte teria de
ter ocorrido entre as nove e as nove e um quarto. ii) Não é admissível uma refeição mais
tardia, já no escritório, pois além de não serem apontados vestígios de ter
havido ingestão de alimentos no local, os dentes da vítima estão
perfeitamente limpos. Isso só seria possível se ele tivesse comido em casa e
lavado os dentes de seguida. Temos então duas
informações contraditórias: o conteúdo do estômago, que aponta que a morte
não poderia ocorrer depois das nove e um quarto, e a temperatura do corpo,
que diz que ocorreu entre as dez e as onze horas. É necessário optar e a
opção só pode ser feita de forma a considerar que a morte ocorreu antes das
nove e um quarto. a) Não é um indício
falsificável com facilidade. Não é fácil colocar no estômago de um cadáver
alimentos que já tenham sido ingeridos uma hora antes. b) A temperatura poderia
ter sido aumentada artificialmente para dificultar as investigações. Existia
um aquecedor junto do cadáver que se estivesse ligado poderia aumentar a
temperatura ambiente e induzir em erro quem observou o cadáver. Bastaria
desligá-lo cerca de uma hora, ou até menos, antes de o cadáver ser descoberto
para que não se notasse que o gabinete esteve mais quente. 3. Determinada a hora da
morte e analisando a sequência cronológica dos factos é fácil concluir que o
assassino só pode ser o Geraldo. As razões são: a) Até às nove horas esteve
sozinho com Alberto. Nos minutos seguintes esteve acompanhado, mas as
relações com os colegas não deixam admitir qualquer cumplicidade. b) A cumplicidade com o
vigilante também é de excluir, pois nada indica esse caminho. c) O vigilante sozinho
jamais poderia ter cometido o crime sem que Geraldo visse. d) Pela janela não era
possível entrar nenhum assassino pois esta estava fechada por dentro, além de
que o acesso não era fácil, a partir do exterior, como constatou o inspector Fagundes. e) Geraldo não poderia ter
falado com o patrão às 10 horas, no seu gabinete, pois ele já estava morto. Concluindo: Geraldo, entre
as oito e um quarto e as nove horas, matou Alberto. 4. Como explicar o bater da
porta quando Geraldo estava para sair, não havendo correntes de ar, tentando
indicar que fora Alberto que cometera tal acto? a) Geraldo é pescador. b) Os pescadores usam fio
de pesca, que é quase invisível, especialmente quando quem olha para ele
sofre de acentuada miopia. c) Geraldo terá passado um
fio no puxador, ou pelo orifício da chave, sem que desse um nó que o
prendesse, de forma que, puxando-o para si, pudesse fechar a porta e depois
puxar o fio. Bastava que as duas pontas ficassem junto da secretária. d) Quando simulou atar os
atacadores, estava na verdade a puxar o fio, fechando a porta. e) Só teve que puxar o fio
completamente e arrumá-lo na pasta. 5. Façamos então uma
descrição sumária de como tudo terá ocorrido. Tratou-se de um crime
cuidadosamente planeado, e que teve em conta os horários de trabalho de toda
a gente, o seu relacionamento, as suas características físicas e os seus
hábitos. a) Depois de Alberto
chegar, e quando já estava sentado, Geraldo matou-o com um tiro. Se a arma
usada tiver ejectado cápsula ele tê-la-á recolhido;
se não ejectou, não teve esse problema para
resolver. Como o vigilante não ouviu qualquer tiro, a arma deveria ter
silenciador. b) Deixou cair a arma da
janela para cima das flores, partindo algumas. Ele sabia que Roberto
costumava cortar algumas flores todos os dias, e por isso talvez ninguém
estranhasse. Só que o revólver não as cortou, partiu-as, deixando lá as
hastes presas por filamentos. c) Fechou a janela. Deste
modo, quando o corpo fosse descoberto, tudo indicaria para um crime cometido
do interior. d) Ligou o aquecedor eléctrico junto do cadáver, tentando assim falsear a hora
da morte. e) Colocou o fio de pesca
de forma que pudesse fechar a porta e puxar o fio para si. f) Não teve problemas em
deixar a porta aberta, pois sabia que das secretárias dos colegas o cadáver
não era visível, como o inspector Fagundes
verificou. g) Devido às relações entre
os colegas e o patrão, não receou que nenhum dos colegas entrasse no
gabinete. Claro que correu riscos, mas reduzidos. h) Às dez horas simulou ter
ido falar Alberto e desligou o aquecimento. Deverá ter sido neste momento que
ele desligou o aquecedor, pois se o tivesse feito no regresso, poderia ter
sido detectada a temperatura mais elevada dentro do
gabinete. Assim houve tempo para ocorrer o abaixamento da temperatura. i) Voltou ao seu lugar, e,
simulando apertar o sapato, puxou o fio que fechava a porta, puxando de
seguida o fio e guardando-o na pasta. j) Desceu as escadas e saiu
pela porta que dá para as traseiras. Foi debaixo da janela recolher a arma.
Fez este movimento à vontade porque sabia que o local não era visível da
cabina do vigilante. k) Recolheu a arma num saco
de plástico, bem fechado para não deixar vestígios, voltou a entrar no
edifício e saiu pela porta da frente. l) Durante o percurso
desfez-se da arma e do fio. Não lhe terão faltado locais para isso, nem que
fosse um caixote do lixo, talvez até o sítio mais seguro. Naquela época os
lixos iam indiscriminadamente para lixeiras, sem sofrerem qualquer separação,
pelo que a arma jamais seria encontrada, ou se o fosse ninguém a associaria a
ele. m) Regressou e fingiu ter
descoberto o cadáver naquele momento. n) O mais provável é que
tenha usado luvas para disparar, para desligar o aquecedor e quando recolheu
a arma. As luvas terão sido deitadas fora juntamente com a arma, mas não
necessariamente no mesmo local. 6. O motivo de tudo isto:
ciúme e vingança. a) Ciúme, por ver a sua
antiga namorada com outros. b) Vingança de Alberto, que
lhe tirou a namorada. Vingança de Matilde, que o abandonou; vingança de
Roberto, que andava com a mulher que ele queria para si, mas que também
odiava. c) O plano era
"quase" perfeito. Alberto era morto. Ao simular a hora da morte
para o momento em que Matilde e Roberto ficavam sozinhos, atirava com a culpa
para cima deles, sabendo que qualquer um poderia odiar o patrão. Serviu-se
ainda do conhecimento que tinha de que o Roberto costumava sair, como sendo a
ocasião em que se poderia livrar da arma. |
© DANIEL FALCÃO |
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