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Autor Data 6 de Maio de 2007 Secção Policiário [825] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2006/2007 Prova nº 5 Publicação Público |
Solução de: A MORTE DA DIGITÁLICA Onaírda Comecemos pelo último
parágrafo. Quando o seu ajudante rotula o processo de “A morte (da) digitálica” obriga o “teórico” a sorrir. Ele estava a
excluir a partícula “da” e o título era o mais real possível – “A morte digitálica”, pois tratou-se de uma intoxicação digitálica. Fica excluída a hipótese de
suicídio de Natália, pois temos o dado de que o não foi porque a PJ abriu um
processo com a referência nº 501/06-Homicídio. E fala quem sabe. Eduardo omite a Garçôa,
o nome do fármaco que tomava para combater a “insuficiência cardíaca” de que
sofria. O “teórico” pouco se importou com esta omissão, mas a sua cultura
permitiu-lhe saber que estes medicamentos pertencem ao grupo dos
cardiotónicos e subgrupo dos digitálicos. Sabe-se
que os cardiotónicos são as substâncias com efeito inotrópico positivo
enquanto as do subgrupo dos digitálicos são as
principais a serem administradas para estas doenças. Assim são a digoxina e a
metildigoxina, os medicamentos mais comummente
usados, e que o marido da professora tomava e guardava em local bem seguro.
No texto, Garçôa dá indicações repetidas dos
subgrupos a que pertenciam os fármacos: “digitálica”,
“digitais”, “digitálicos” e repetindo mais cinco
vezes a palavra “digitálica”. Como Natália sofria de uma miocardiopatia hipertrófica obstrutiva, se tomasse algum
fármaco do grupo dos digitálicos, corria perigo de
vida, pois estes estão fortemente contra-indicados
para este tipo de doenças. E a professora sofria cumulativamente de uma
doença renal, ainda mal esclarecida, mas que originava situações pontuais de
desidratação com hipercalcemia e hipocaliemia. Pelo
que disse a funcionária Olga, a grande quantidade de água que a professora
bebeu durante o dia (fora a que ela não viu, claro) dá a ideia de que ela
estava desidratada. Nestes casos, os sintomas e sinais de intoxicação digitálica manifestam-se mais precocemente. Taborda também sofria de
uma doença, a síndrome de Wolff-Parkinson-White, sendo igualmente contra-indicada
a toma de digitálicos, pois é uma doença em que o
risco de intoxicação digitálica interdita o uso
destes medicamentos. E a hipótese de ele ter deitado uma porção de veneno 605
Forte também não vinga, porque ele entrou na sala pelas 15h50 e, se tivesse
deitado o veneno no copo, os efeitos de envenenamento seriam logo de imediato
e não depois das 17 horas, como aconteceu. Porque, se não há duvidas
que os sintomas de intoxicação de Natália se deviam não a um veneno insecticida, mas sim a uma intoxicação digitálica (indisposta, nauseada, vómitos e sensação de
vertigens e de discromatopsia e com aflições de diarreia), só a partir de
Eduardo isto seria possível, dado que tanto Natália como Taborda não tomavam,
nem provavelmente conheciam, os efeitos deste tipo de medicamento. E tudo indicava que tinha
sido Eduardo o autor do acto criminoso. A absorção
de digoxina ou da metildigoxina (digitálicos) faz-se quase exclusivamente pelo trato gastro-intestinal, quando administradas por via oral. A
sua acção começará dentro de duas horas e termina
ao fim de seis. Liga-se 20 a 30 por cento às proteínas plasmáticas e é
amplamente distribuída pelos tecidos do organismo, atingindo concentrações
altas no músculo-esquelético, fígado, coração, cérebro e rins. Não se acumula
no tecido adiposo. Ora, se Eduardo entrou na sala entre as 14h50 e as 15h00,
então bate certo que, deitando um número indeterminado de comprimidos no copo
nesta altura, os sintomas tenham aparecido a partir das 17h00. E, sabendo os
costumes de Natália e de Olga, para o caso de o copo estar vazio, ele levava
consigo uma pequena garrafinha com água para encher o dito copo. Como a mulher não estava na
sala, contactou-a pelo telemóvel e disse-lhe que deitaria um comprimido no
copo (o tal analgésico). Mas, em vez deste, o que deitou foram os digitálicos. E a professora bebeu o líquido
confiantemente. A causa provável da morte dela, segundo revelou a autópsia,
terá sido uma “disritmia cardíaca” induzida por intoxicação digitálica (bloqueio aurículo-ventricular
completo). A intoxicação digitálica é frequente nos serviços de Urgência dos
hospitais em doentes submetidos à administração crónica do fármaco, mas não actua de forma rápida com toma única como descrito no
texto, a não ser que o número de comprimidos fosse realmente grande, na ordem
das quatro ou cinco unidades. Com apenas uma ou duas, a história perde
realidade. Mas, como a professora não
era medicada com este digitálico, por ser contra-indicado nas doenças que sofria, estaria mais
sensível a dois ou três comprimidos. E há a hipótese de que o marido já
tivesse dado os comprimidos anteriormente (em sua casa e no intervalo das
aulas entre as 11 e as 12 horas, para além de ter possibilidades de repetir a
acção no intervalo da aula das 14 horas). A acção executada na sala, no intervalo das 14-15 horas, é
a gota que transborda do copo, isto é, a causa da intoxicação digitálica (que tem o seu ponto crítico duas horas após a
toma). Esta acção é uma parte do todo e serve de
referência como pista que vai levar ao envenenador. |
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© DANIEL FALCÃO |
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