Autor Data 18 de Julho de 2004 Secção Policiário [679] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2003/2004 Prova nº 10 Publicação Público |
Solução de: EMENTA: DOIS EM UM M. Constantino O presente problema
valoriza, de igual modo, os simpatizantes das duas grandes correntes: os
defensores do técnico e os que defendem a dedução. Na verdade,
estruturalmente técnico, não deixa de ser dedutivo. Sem a técnica, não se
chega à solução; e não há solução, se não se aplicar o génio dedutivo. Adiantando: Quanto à morte de Elsa, não
existem indícios bastantes que levem a outra conclusão que não seja a
extraída: suicídio ou acidente. Nunca se colocou a hipótese de crime.
Eventualmente, encontramos vagas causas para admitir a primeira hipótese. Não
a esqueçamos, porém; continua a ser um dado
importante. As duas outras mortes
merecem uma reflexão. Maia e Clemente (por ordem das mortes, no tempo):
suicídio ou crime? Maia – o golpe da esquerda
para a direita aponta o uso da mão direita para cortar a garganta; por outro
lado, o facto da arma utilizada (B-3) não ter impressões digitais e a mão
estar limpa excluem o suicídio e denunciam crime. Clemente – não há arma nem
se encontra a bala no quarto. No suicídio, a arma, disparada a curta
distância, deixaria vestígios ou tatuagens na área circundante do orifício da
bala, o que não se verifica. Aliás, a bala de pequeno calibre, para
atravessar o crânio e criar a velocidade rotativa para destroçar os tecidos
cranianos, tinha de ser disparada de longe; opção igual a crime. Desenvolvendo: Tudo começa com a chegada
de Clemente, franzino e rico sócio capitalista. Clemente quase acusa Maia de
ser o vendedor das falsas antiguidades (de facto, para um criado de mesa,
ainda que chefe, a posse de um carro desportivo caro, sem que haja
conhecimento de lhe ter saído a “taluda” ou o totobola, dá para desconfiar).
Apanhado de surpresa, ao prometer descobrir o culpado, pois tinha uma ideia,
reconhece, inconscientemente, que o assunto não lhe era desconhecido. Alfredo
ouve, por acaso, a conversa e, ao comentá-la diante de Rui, Morais, Laurindo,
Marco e Lopes, alerta o cúmplice de eventual traição, por parte de Maia. E
aqui voltamos a lembrar Elsa, uma rapariga linda, isolada no silêncio do seu
mundo, incapaz de gritar a sua dor; em suma – uma surda-muda. Maia
compreendia-a, pois ele próprio tinha um irmão surdo-mudo. Quando Marco
observou, com tristeza e cismático, a conversa mímica entre os dois irmãos, é
provável (com a irmã muda, também conhecia a linguagem mímica) que ficasse
com a certeza de que Maia se preparava para “safar-se” e seria ele, Marco, o
sacrificado. A prova B-4, encontrada no
fogão do quarto de Maia, coincidente com a B-1 no pé da cama que esteve no
mesmo quarto, uma mistura de “ácido acético, vinagre, carbonato de amónio,
sal, ácido tartárico e acetato de cobre”, (que mais não é do que uma receita
para simular a pátina – a cor da antiguidade – nos artigos de bronze), não
deixa dúvidas quanto à prática e local onde começava a trapaça. Até o tacho
de 20 litros era uma testemunha muda… Que fez Marco? Naturalmente
que a velha amizade, que surgiu com o namoro de Elsa, foi destroçada pela
indiferença de Maia para com a irmã, origem do suicídio (ou, num ocasional
aperto marítimo, nada ter feito para se salvar). Agora, esperava-o nova
traição. Foi à copa tirar o lacre das garrafas para o jantar de Clemente
(sabia quanto este apreciava o gesto), após o que, antes de Maia sair,
colocou uma cabeleira postiça (a prova B-5 caracteriza cabelos fracos,
estaladiços, sem bolbo) para não ser reconhecido através dos cabelos louros
(o caso do porteiro, que, parecendo-lhe uma pessoa conhecida, não o
identificou), entrou no quarto e, calmamente, discutiram o assunto, bebendo
uísque (Maia deixou impressões digitais, B-1, no seu copo; Marco, de luvas,
B-2). Levantou-se e, por de trás,
com a mão direita, cortou da esquerda para a direita, atirando a navalha
(B-3, sem impressões digitais) para perto do então já cadáver Maia. Colocou o
Buda e o retrato da irmã por debaixo do grande tacho, com a mão enluvada, limpa.
Uma coisa esqueceu: ao terminar a tarefa de tirar os lacres às garrafas,
pisou um pedaço, bastante para deixar rasto no quarto do assassinado e que o
“rafeiro" Lemos indicou como prova B-6 (mistura de colofónia, cera,
sebo, pó de mínio = lacre). São provas bastantes para confrontar Marco com o
Tribunal criminal. No caso de Clemente, a
técnica acima apontada dá lugar à dedução. Dado que a morte se deu entre as 2
e 3 da noite, e os árabes são unânimes em afirmar que só por ali passaram
Maia, Clemente e João Santo, este em horas diferentes daqueles, a morte
(excluído o suicídio) veio mesmo através da bala que entrou pela janela. Ora,
quem possui uma arma suspeita, que utilizou em África (para matar homens) e
no Alentejo (para matar milhafres) – é mesmo o “Santo Lobo”. Trata-se de uma Ruger Mini 14/5-R, uma semi-automática,
calibre 223 Remington (pouco mais de 5,6 mm), com
18 polegadas e meia de cano, com seis estrias de giro à direita e um passo de
giro de sete polegadas, que imprime à bala uma velocidade de rotação tão
elevada que o seu choque hidrodinâmico nos tecidos atingidos é altamente
destruidor. Bala esta de aço (A-2) que se adapta à situação. João Santo vai colocar, a
pedido de Maia, duas cabeceiras na cama e um candeeiro, no quarto nº 1. Fica
a saber que Clemente está no hotel, e não aparece à hora do jantar. Não sabe
que Clemente lhe perdoou o roubo do dinheiro, que está disposto a dar-lhe
mais, inclusivamente dar-lhe quota no hotel. O “Lobo” é um homem frio; só
encontra uma solução, a que sempre usou – matar! Porque tem as chaves mestras
do Hotel, que não devolveu a Maia, convencido de que este já saiu para ir ter
com o irmão, nem a Navarro que foi jantar a casa (só as deixa no escritório,
depois de tudo consumado), sobe ao armazém e aguarda, pacientemente. Vê
quando Clemente chega ao quarto, quando se deita e se põe a ler, recostado na
almofada. Abre a janela do armazém, e, de dentro deste, num momento em que o
tiro não pode ser ouvido (tendo em vista o ruído da discoteca), dispara e
atinge o crânio do alentejano. O pequeno calibre e a velocidade da bala de
aço não estilhaçam o vidro. Deixam, porém, um resíduo no parapeito da janela,
do lado esquerdo interior, comprovativo de que o tiro foi oblíquo e disparado
da direita. Tudo bem! Mas, porque não
conseguimos nós, com o cabo da vassoura apontado ao orifício, divisar a
cabeça do morto? Simples. João Santo, um homem musculado, quando foi levar o
pequeno-almoço, pegou na cama com o morto, sem lhe mexer (Clemente era
franzino, leve) e colocou-a do lado contrário! Isto é, a cama fora colocada
por Maia com a cabeça encostada à parede da casa de banho. João Santo
encostou-a com a cabeça no lado oposto. Tirou a mesa-de-cabeceira e o
candeeiro, colocando-os na mesma posição, mas do lado contrário. E, para confundir
mais e não ser apanhado pelo detector dos árabes,
como não foi, fez sair a bala do quarto pelo mesmo buraco por onde entrara.
Tudo fácil. Mas onde escondeu a arma,
que não foi encontrada pelas buscas que fizemos? Também simples – juntou-a
aos tacos de golfe, no respectivo saco, e saiu,
presumidamente para jogar, mas, em verdade, para esconder a arma.
Lembremo-nos que uma Ruger Mini 14/5-R tem apenas
947 mm de comprimento, o que a confunde com um taco. E foram dois em um: dois
mortos num hotel. Não poderia haver ementa pior. O autor pede perdão por,
através de Marco, matar Maia. É que, sendo ele a colocar a cama no lado
oposto do quarto, quando soubesse que fora encontrada do lado contrário, não
deixaria de o fazer notar. Estragaria o engenho de João Santo, o “Santo Lobo”
(a menos que ele se lembrasse da hipótese e lhe desse sumiço), e do autor,
que, laboriosamente, se viu em palpos de aranha, para não falhar no enredo! |
© DANIEL FALCÃO |
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