Autor Data Fevereiro de 1982 Secção Enigma Policiário [66] Competições II
Volta a Portugal em Problemas Policiais e Torneio de Homenagem a Sete de
Espadas 6ª Etapa | Coimbra – Guarda – Lamego Publicação Passatempo [89] |
Solução de: O FRUTO DO BEM E DO MAL Marvel –
Queres saber agora, mulher, o nome do assassino do teu filho? Volta-te e
olha. Fita esse verme que tinhas por teu filho também. Nagor, apavorado,
tremia ante o dedo acusador. –
Santo homem, mas… –
Lembra-te: este homem que ali treme ante o castigo próximo começou por
sentar-se no trono que ficava voltado para a porta. Saberás que necessitou
de, apenas, erguer os olhos para te
olhar… a ti, encostado à porta! A
única porta do aposento! Explicado o ruído, os dois, a vítima e matador
reocuparam os tronos. Mas não os
mesmos! O assassino, sentou-se primeiro, escolhendo
o trono que Nimpor ocupara, forçando este a ocupar
o que àquele pertencera! Repara bem: quando Nimpor
caiu morto e este aqui te quis encarar, a ti ainda junto da porta, teve de se
voltar! Recordas-te que ele foi o
primeiro a voltar a sentar-se? E que se envolveu em diatribes contra o
soldado da lança tombada, conseguindo que Nimpor
iniciasse a refeição? Isso permitiu-lhe escolher o trono que quis, e, não
tendo tocado na comida, não se tornou reparado que não tivesse o mesmo fim
que Nimpor. Já percebeste, mulher, que o chacal
fedorento que nos contempla aproveitou o incidente da lança para envenenar a
própria comida, trocando depois de lugar com a sua vítima? Claro que Nimpor, sem dúvida, notou a troca dos tronos, e tu
também, por certo, mas nenhum de vocês terá dado importância ao pormenor, já
porque era hábito ocuparem os tronos
indistintamente, já porque não haviam ainda tocado na comida, já porque,
enfim, bulia com a confiança cega que depositáveis no maldito. –
Santo homem, eu… Nagor e Nimpor
tão amigos, tão unidos… Tu
me disseste que os sentimentos seriam eternos, depois de comerem o fruto… Fulgurou
um sorriso no rosto do santo homem. –
Sim, mulher, é justa a pergunta. Só que em verdade
te digo que o Bem absoluto não existe, como não existe o mal integral. São
uma teoria! O fruto que recebeste das minhas mãos, mais do que uma realidade,
constituía um lenitivo moral que te tranquilizou quanto ao futuro de poder
dos teus filhos. Se
aquele que tudo sabe, pode e ordena, quis, por intermédio do ínfimo miserável
servo que sou, colocar-te nas mãos o fruto maravilhoso cujas metades
distintas encerravam uma o Bem e a outra o Mal puros
também previu que nunca conseguirias
cortá-lo de modo a fazer uma destrinça perfeita! Assim, Nagor e Nimpor nunca passaram
de homens comuns, melhores numas coisas, piores noutras, e apenas com os bons
e maus sentimentos mais aguçados do que nos outros mortais. E, efectivamente, assim se mostraram. A clemência de Nagor perante o inimigo ferido é contrabalançada pelos
cruéis exercícios a que submetia os soldados; a sentença iníqua proferida por
Nimpor no caso do ladrão da bolsa tem contradita no
seu carinho pelas aves. A sua estima recíproca e o amor por ti, mostram que o Bem existia neles, do mesmo modo que as
suas prepotências como governantes revelam que também albergavam o Mal. Tudo
era assim até que sucedeu a desaparição de Nagor.
Quando reapareceu, sabes que vinha cheio de maus instintos. Matava por matar,
torturava por torturar, perseguia por perseguir. As vidas, antes
estremecidas, da mãe e do irmão passaram a só ter valor para ele quando
desaparecidas. Tão maus esses instintos que criou a revolta no íntimo próprio
Nimpor. Tão maus que se tornou evidente não serem acções da normalidade humana, que só admite o mal
mesclado de bem e vice-versa. Tão
maus, em suma, que só poderiam ser produto duma acção
calculada e conduzida com uma finalidade prevista. –
Então?… –
Ainda não percebes, mulher, que este resíduo humano não é teu filho Nagor? Que este foi morto pelos seus captores a fim de
que o ser que vês, parecido com ele de feições, o substituísse e gizasse acções de carácter puramente ignóbil que servissem para
excitar ainda mais a opinião pública contra o poder reinante? E, se possível,
como foi matasse Nimpor? – O santo homem abanou
tristemente a cabeça. – Não era isto que eu previa para teus filhos. Mas a
orgia do poder dominou-os!… Mas também não posso pactuar com a seita maldita
que se lhes opôs. O nosso desgraçado povo está farto de ser salvo de um mal
por outro mal ainda maior. Isto, porém, não mais vai suceder. Eu
o digo! |
© DANIEL FALCÃO |
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