Autor

Marth

 

Data

5 de Março de 1988

 

Secção

Sábado Policiário [113]

 

Competição

Torneio A-Team

Problema nº 3

 

Publicação

Diário Popular

 

 

Solução de:

DETECTIVE AMADOR

Marth

 

1) Como as respostas seguintes mostrarão, tudo indica que terá sido o hóspede do quarto nº 12 o assassino.

2) São sobretudo as suas próprias palavras que o denunciam:

a) Diz que estava a ver televisão quando soou o tiro e no entanto nesse momento não havia electricidade;

b) Diz que saiu do seu quarto mas eu só ouvi abrir uma porta e quando cheguei ao corredor era a porta do quarto nº 13 que estava aberta;

c) Quando ele começou a gritar só o criminoso poderia saber que o assassino era também ladrão e vice-versa;

d) Ele não poderia ter visto os pormenores do rosto do fugitivo porque não havia luz eléctrica nem no hotel nem na rua e, uma vez que nevava, o céu estaria encoberto (e portanto não haveria luar);

e) Se alguém tivesse saltado da janela haveria marcas e pegadas na neve que cobria o pavimento da ruela por baixo da janela.

Há ainda outros pormenores que indicam a inocência do «Zé das Naifas»:

f) Se o assassino tivesse entrado pela janela do quarto teria voltado a sair por lá e, para entrar pela porta do quarto, o «Zé das Naifas» teria de passar pela recepção do hotel e teria sido facilmente reconhecido;

g) Se fosse ele o assassino não se teria deixado apanhar tão facilmente;

h) E, sobretudo, não se deixaria apanhar com a arma do crime em seu poder;

i) Se o alcunharam «Zé das Naifas» terá sido certamente por usar armas brancas e não armas de fogo.

3) Tendo sido determinado que foi o hóspede do quarto nº 12 o criminoso, os indícios espalhados pelo texto permitem também explicar os principais passos da sua actuação:

a) Como foi no hotel que combinei com o meu amigo irmos ao cinema, é possível que ele nos tenha ouvido e tenha decidido actuar à hora a que estaríamos no cinema, pois nessa altura o 1º andar do hotel estaria deserto;

b) É provável que quando ele trocou de quarto tenha ficado com um duplicado da chave do quarto nº 13 e assim pôde lá entrar sem dificuldade; se viveu no quarto nº 13 vários anos, a declaração de que trocou de quarto por ser supersticioso é pouco convincente;

c) Ele terá entrado no quarto do meu amigo antes de faltar a luz, mas usou uma lanterna de bolso para evitar que qualquer funcionário do hotel visse (através da janela ou por baixo da porta) a luz acesa num quarto cujo ocupante tinha saído do hotel; há dois pormenores que confirmam esta hipótese: I) A lanterna caída no chão do quarto; II) O facto do ele ter dito que estava a ver televisão, só explicável se ele não soubesse que faltara a luz;

d) Quando o meu amigo entrou no quarto, o ladrão sentiu-se encurralado e disparou logo (com medo que o outro acendesse a luz e o reconhecesse); provavelmente ao disparar não queria matar, mas apenas criar uma oportunidade de fugir sem ser apanhado nem reconhecido;

e) Depois de disparar correu para a janela do corredor, abriu-a e atirou a arma com todas as suas forças, de forma a que, passando por cima do telhado do armazém, fosse cair na rua da Estação; quando a encontrassem ninguém duvidaria que passara por lá o assassino;

f) Com os gritos que deu pretendia dar realismo à sua história; e, uma vez que não estava ninguém a passar na ruela, ninguém poderia desmentir a existência de um fugitivo; teve pouca sorte pois entusiasmou-se e falou de mais; e além disso tinha estado a nevar;

g) Para afastar de si as suspeitas quis arranjar outro suspeito e por isso, ao descrever o fugitivo, fez um retrato fiel do «Zé das Naifas», de quem vira uma fotografia no jornal local; sendo o «Zé das Naifas» tão impopular, ninguém acreditaria no que ele dissesse nem haveria quem o defendesse; só que mais uma vez falou de mais e descreveu o que não poderia ter visto;

h) Apesar de ter descrito com minúcia o rosto de «Zé das Naifas», falou o mínimo que lhe foi possível sobre a roupa porque não saberia como o outro andaria vestido.

O facto de a arma do crime ter aparecido na posse do «Zé das Naifas» deve-se a uma extraordinária coincidência, que podia ser-lhe fatal, pois confirmaria a história inventada pelo verdadeiro assassino. De facto, quem iria acreditar no «Zé das Naifas» quando ele dizia que encontrara aquela arma caída no meio da rua da Estação, quando se dirigia para a estação de caminho-de-ferro, onde viria a ser preso?

Sem as minhas declarações, ele estaria perdido, já que: como mais ninguém ouviu o tiro, ninguém sabia que nessa altura não havia luz; mais ninguém sabia que a porta do quarto nº 12 continuava fechada quando o ocupante desse quarto já estava no corredor; ninguém sabia que ele já estava a gritar «ladrão» e «assassino» quando só o criminoso e a vítima poderiam saber o que se passara; e, finalmente, a chuva fizera desaparecer rapidamente a fina camada de neve que cobria o solo da ruela.

© DANIEL FALCÃO