Autor

Lumago Ampe

 

Data

Fevereiro de 1978

 

Secção

Enigma Policiário [23]

 

Competição

Volta a Portugal em Problemas Policiais

10ª Etapa

(Lisboa – Santarém)

 

Publicação

Passatempo [45]

 

 

 

 

 

 

 

Solução de:

MORTE NO QUARTO GUARDADO

Lumago Ampe

Relatório apresentado por Detective Invisível

Chovia em Algés. O mar e um prédio para demolição completavam o cenário. Um homem. Um homem que contava com tudo isso ou decidiu a aproveitar-se da conjuntura. Munido de uma escada de corda com gancho e três bocados de corda (ou uma corda grande e um objecto cortante), o homem galga o muro do quintal DO LADO ESQUERDO DO PRÉDIO. Ele sabia que havia guardas, estacionados no exterior, mas isso era apenas um teste ao seu raciocínio. Tudo estava planeado. Ele sabia que os guardas, porque chovia, estavam dentro do carro. Um sorriso. Tudo corria bem. Ele era mais esperto…

Agora o homem desce a escada. Lentamente. Calmamente. Obstinadamente. Tudo sob controle e o plano perfeitamente legível na sua cabeça.

Ao chegar ao último degrau o homem inicia um dos capítulos mais engenhosos do seu meticuloso plano. Seguindo de frente, normalmente, as pegadas por si deixadas apresentavam-se no solo, todavia, como se estivesse caminhando no sentido inverso, ou recuando. Assim, ele andava para a frente mas, tendo pregado os saltos dos sapatos nas biqueiras – a parte redonda dos saltos na parte redonda daquelas – e pisando bem firme no solo leve e molhado para marcar especialmente aqueles, o indício contraditório da realidade estava deste modo sendo deixado.

O sorriso do homem, agora, é trocista, O homem contava com isso mesmo. Mais – convinha-lhe para «baralhar» a justiça. Ele sabe que vai ser perseguido mas pensa que é o mais inteligente. Marca bem as pegadas. Por isso, recusa utilizar o carreirinho de cimento rente às paredes.

Chovia ainda. E, porque a terra do jardim se tornava impermeável se calcada quando molhada, em cada uma das marcas que o homem ia fazendo no chão começava a depositar-se a chuva que, em contacto com o solo agora impermeável, formava uma pequena poça da cor de… «daquilo que o puto do Insp.»… «quando comia algo que não devia»…

O homem chegou ao fim da sua primeira etapa. Atrás de si deixara um rasto invertido. Qualquer pessoa diria que ele saíra de casa. Mas não. CHEGARA a casa. Era preciso entrar. Entrar, só pelas traseiras, já que a frente estava rigorosamente vigiada pelo «agente» colocado no café. Porta ou janela, não importava. Por uma delas penetrou.

Está agora na escada interior. Sobe. Sobe. Sobe. Sobe. Homem e terraço superior contactam-se. Primeira fase do plano concluída. O sorriso é já de meio triunfo. O homem comete aquilo que poderia ter sido o seu primeiro lapso. Afrouxando a atenção, espreita pela clarabóia. A velha vê-o. Um salto para trás ao soar o alarme. Nem uma hesitação. Voltou tudo ao controle. Agora já esta dentro da chaminé, sob a tampa, o tal quadrado perfeito de 0,5 de lado. Escondido e a ouvir tudo o que se passa no quarto, pois um tubo de 15 cm é um belo «telefone». Agora é esperar que o seu erro tenha emenda. E teve. O Detective particular Inspector») sobe ao terraço. Vai à clarabóia, ao murinho do terraço. E agora? Onde irá ver o «Inspector»? O homem está tenso. Na sua mão uma pistola. Ele não será descoberto. De qualquer maneira ninguém ficará para dizer que o viu. Mas… O vento ajuda-o. O chapéu do «Inspector» voa até as escadas. Recuperado o chapéu, o «Inspector» volta à claraboia. Arranca-a. No seu buraco o homem ri. Tinha um ajudante inesperado para o seu plano. O «Inspector» não só ainda o não descobrira como, por cima, e para cúmulo, o ajudava. Atenção, agora! Que fará o «insp.»? Nada. Desce à casa. Pede um agente. O ligeiro suor desaparece da fronte do homem só. Tudo bem. O vento safara-o, até porque lhe «tapara», por soprar do mar, a chaminé. Bendita tampa em V.

Aqui temos, assim, o homem instalado, com a retirada cortada, momentaneamente, pela colocação, a partir deste momento, de um outro agente colocado ao fundo das escadas de acesso ao terraço.

Serenamente, o homem aproveita as condições naturais. Ele ouve tudo o que se passa no quarto. Assim, fica a saber que o «Inspector» dera dois comprimidos, para dormir, à velha. O seu sorriso aumenta. Inacreditável. O detective particular estava transformado no seu melhor auxiliar! Agora é só esperar.

A velha adormece. Vai passar-se à fase crucial da operação. O homem afasta um ligeiro tremor. Ele é decidido. Já não quer recuar. Com todo o cuidado, prende a sua escada de corda à chaminé, já que a consistência da clarabóia não lhe permite veleidades. Levanta a clarabóia. Lá em baixo, a mulher. O homem vai pôr as mãos na sua vítima!

Silenciosamente o homem desce. A velha dorme sob a acção dos soporíferos. Não dá por nada. O homem tem, nitidamente, tempo. Calmamente começa a encenar o seu quadro. Começa por trancar a porta, aproveitando o soalho frestado para apoiar a cadeira à zona da fechadura. Agora ata uma ponta da corda à perna da cama, de modo a que a corda vá até à janela. Em seguida abre a janela, tudo muito silenciosamente. Ainda não é altura de fazer barulho. O homem prende a sua segunda corda (se ele as trazia cortadas, ou corta um 2.° bocado) ao pescoço de granito e deixa-o cair até a altura do 2.° andar, lançando em seguida a terceira corda para o jardim. Já não chove (por isso as cordas não estão molhadas; pormenor visível pelo facto de o «Inspector» ter acendido um cigarro, IMEDIATAMENTE A SEGUIR A TER PEGADO NA 2.ª CORDA, sem que o texto diga expressamente que ele limpou as mãos). Está quase tudo pronto. Desloca a cama ligeiramente para o lado, simulando uma luta inexistente, pois a velha continua a dormir profundamente.

Um último olhar em volta assegura-lhe que tudo esta no seu lugar. PAM! O som do tiro. Que apanha a velha. Sem lhe dar tempo a passar do sono ao zero! A velha está de barriga para o ar; a bala fura o cobertor e o lençol e entra pela frente, saindo por trás!

Agora tudo é rápido. Cada segundo conta. O criminoso vira a mulher de costas e das pernas para a cabeceira, colocando-lhe na mão uma faca de cozinha (de que o criminoso já vinha munido ou encontrara à mão para ser mais autêntica) para simular um corte da corda impossível de se efectuar pois a velha estava sob a acção de dois comprimidos e (o que é mais grave) de um tiro fatal. Por outro lado não há nada no chão do jardim que sinalize uma queda daquela altura (apenas pegadas, quando deveria haver, se as coisas se tivessem passado assim, o sinal de um corpo que se despenhara pelo facto de a corda ter sido cortada, corpo esse que, se calhar, nem se levantaria, devido à violência da queda!).

Durante todo este tempo de descrição, já o homem esta longe. Já tinha dado um empurrão na velha janela para simular o arrombamento. (Reparemos que o autor diz a janela estava arrombada. Só então o «Inspector» associou o barulho que ouvira APÓS O TIRO. Atenção que o autor diz após e não antes, como deveria ter sido se a janela tivesse sido arrombada para o criminoso por lá entrar, o que já vimos não ter sido). E já tinha subido outra vez pela escada de corda (a tal corda munida de ganchos que já tinha utilizado e que voltaria a utilizar nos muros dos quintais). Já tinha recolocado a clarabóia. E já estava escondido na tampa da chaminé. Tempo? Pois claro que teve tempo. Todo o tempo que precisou, pois o «Inspector» andou à procura da chave e só à 3.ª tentativa arrombou a porta. O assassino terminara a fase irreversível. «Alea jacta est». Só restava sair. E isso era uma questão de tempo. E acabou por ser tão fácil! O «Inspector» decidiu chamar a Judiciária logo que viu que o caso se lhe escapara. Recordemos que «mandou o agente que ficara nas escadas chamar os restantes». Era a sua chance. E foi assim. Logo que se apercebeu que todos estavam dentro de casa (não esqueçamos que o cano lhe permitiria ouvir tudo o que se ia passando) abandona o seu esconderijo e desce, cuidadosamente, do terraço ao jardim, pelo mesmo caminho que utilizara em sentido contrário. Galga o passadiço de cimento e vai para o quintal do lado direito, continuando a caminhar com os sapatos de saltos invertidos. Já não chove e, por isso, não há já as tais poças que… Volta a prender a escada ao muro, sobe e desaparece nas calmas. Cai o pano!

 

Porém, o caso não acabou para a Justiça. O Inspector Fidalgo pegou numa ponta e levou-o até ao fim. Será lícito prever o seu fim? Não se pediu no problema, por isso não posso ser desvalorizado pelo que vou expor a seguir.

Quem teria interesse em cometer o crime? Claro, o senhorio, que precisaria de se ver livre daquela velha teimosa, pois necessitava do prédio desocupado, para construir ou vender.

Já se sabe que este é, de longe, o melhor problema da «Voltas». Este e o nº.1. Porém, neste, parece-me, há muitos pormenores e subtilezas. Por isso, não me basta que a minha solução não seja igualzinha, em todos os pormenores, à do autor. É preciso, também é claro, que me demonstrem onde é que eu errei. É um favor que agradeço.

© DANIEL FALCÃO