Autor Data 23 de Agosto de 1986 Secção Sábado Policiário [39] Publicação Diário Popular |
O CASO DO AGRESSOR MENTIROSO Jartur Dedicado com
amizade ao Detective Misterioso À
sexta-feira, a malta reúne-se no Clube do Aranhiço, e fica por ali até às
tantas, conversando paulatinamente sobre «coisas» do Policiário, entretenimento
cultural e recreativo que congrega os nossos gostos. Naquela
noite, Domingos Prata Rodrigues (o Detective Misterioso, como é conhecido no
nosso âmbito), que viera ao Porto integrado na falange de apoio do Sporting,
deveria visitar-nos por volta das nove horas, mas só apareceu cerca das onze,
algo transtornado, e a primeira coisa que disse, quando viu os nossos copos
sobre a mesinha do cubículo que nos servia de «salão nobre», foi: – Sirvam-me
um bagaço triplo ou uma picheira de verde tinto. E,
depois, narrou-nos a razão do seu atraso. –
Eu vinha para cá a tempo e horas, calmamente, caminhando pela borda do passeio,
numa rua quase deserta e recentemente regada pela brigada da limpeza, quando
senti aproximar-se, pelas minhas costas, o ruído de uma motorizada. Não
liguei nada ao facto tão trivial, mas o que é certo é que, subitamente, senti
um esticão na bolsa, e instintivamente dei um golpe com a bengala, que se prendeu
nos raios da roda traseira, e os dois gajos que seguiam no veículo
espalharam-se no pavimento escorregadio. O tipo que ia no lugar do passageiro
e que me arrancou a bolsa de cabedal, imediatamente se pôs em fuga, mas o
outro tripulante, que ficou com uma perna presa debaixo da motorizada,
levantou-se com relativa facilidade e veio na minha direcção, de capacete na
mão para me agredir, mas eu dei-lhe com a bengala na cabeça e o tipo recuou a
cambalear, largando o capacete para levar as mãos à cabeça, que sangrava abundantemente.
Quando viu as mãos ensanguentadas, avançou para mim, como um lutador de artes
marciais em posição de ataque. O tipo era de forte compleição física e usava
um fato de treino negro e sapatos de ténis da mesma cor, o que lhe dava ainda
um aspecto mais agressivo. Confesso que senti um pouco de receio, recuei até
ficar encostado à montra de um estabelecimento tomei uma atitude de defesa,
com a bengala na minha frente como se fosse um varapau. Quando ele saltou, tentando
atingir-me a cara com a violenta patada, consegui desviar-me no momento
exacto e o sapato dele atingiu em cheio o vidro, que se partiu, sem todavia
cair estilhaçado. Naquele momento, o alarme do estabelecimento começou a
buzinar e de um carro que se aproximava saíram algumas pessoas que nos
agarraram e impediram que eu… desse cabo do malfeitor. É
evidente que, enquanto o Detective Misterioso nos descrevia as suas
desventuras, apesar de tudo, com a boa disposição que lhe é peculiar, a malta
ia reagindo à feição dos factos expostos, mas aquela de dar cabo do malfeitor
pareceu-nos um pouco forçada. Não gozámos, todavia, quanto nos apetecia e,
após mais um trago reconfortante da maléfica bebida, ele prosseguiu. –
Estabeleceu-se uma grande confusão e começou a juntar-se mais gente. Eu barafustava,
o gajo também barafustava, e daí a pouco chegou um carro-patrulha. Eu disse à
Polícia o que se passara, e ele, exibindo a ferida na testa que ia limpando
com um lenço, apresentou também a sua versão, mas uma versão muito diferente
da minha. Segundo ele, assistira de longe ao assalto, pois vinha a correr
pelo mesmo passeio, e vira o ladrão a fugir, mas não tinha nada a ver com o
roubo. Disse que quando ia a passar por mim, talvez eu tivesse pensado que
ele também pertencia ao grupo, e que eu lhe dera uma cacetada com a bengala,
e que quase o fizera cair. Ficara surpreendido com a agressão e a sua
primeira reacção foi fugir, mas, pensando melhor, vinha junto a mim para me
perguntar porque o agredira, e que eu ia para lhe bater de novo, mas ele se
desviou e eu parti o vidro com a bengala. Face às nossas contradições,
impossíveis de confirmar por falta de testemunhas oculares, deixaram um
agente a guardar a montra danificada, a motorizada e o capacete, e fomos
ambos transportados para a esquadra, com passagem pelo Hospital de Santo António,
onde suturaram com cinco pontos o ferimento do bandido. Depois de mais de
meia hora de interrogatórios, contradições e ameaças mútuas, e graças aos
meus conhecimentos de investigação policiária, pedi para falar em particular
ao comissário de serviço e forneci-lhe umas indicações susceptíveis de
esclarecer se o gajo era ou não um dos assaltantes. PERGUNTA-SE –
Se o prezado leitor estivesse no lugar do nosso amigo Detective Misterioso,
que indicações ou sugestões teria dado ao comissário? –
Redija um relatório que facilite a denúncia do assaltante, já que este, em
face dos pormenores acusadores concretos, certamente identificará o seu
conivente, permitindo a devolução da bolsa roubada e a indemnização dos estragos
e inconvenientes causados? |
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© DANIEL FALCÃO |
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