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Autor Data 12 de Agosto de 2007 Secção Policiário [839] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2006/2007 Prova nº 8 Publicação Público |
Solução de: O INSPECTOR FIDALGO E O CASO
“ANAQUICOÍNES” Inspector Fidalgo A cena parece surrealista,
tipo cinema mexicano, bem ao estilo das espionagens à portuguesa, com espiões
que no fundo não sabem fazer as coisas, mas vão improvisando. No final tudo há-de dar certo e, se não der, terão a sua recompensa na
mesma, porque alguém lhes encobrirá as costas, desde que seja cumprido o objectivo traçado. O Inspector
Fidalgo já sabia que ia ser assim. Ao verificar a história,
entendeu desde logo que por ali havia coisa de “secretas” e não adiantaria
fazer grandes ondas porque não haveria interessados em reclamar a vítima – os
espiões estão sempre fora das rotas dos governos e das organizações a que
pertencem e mais depressa viriam todos dizer que não os conheciam de lado
nenhum! Portanto, tudo acabou por
correr às mil maravilhas para eles. A linha do comboio é
naturalmente ficcionada, mas a composição estava do lado certo – em Portugal
os comboios circulam pela esquerda –, e um tiro dado naquela direcção poderia estilhaçar o vidro e atingir a
composição que circulava em sentido inverso se a vítima fosse atingida quando
estava em pé. Temos, pois, o primeiro
erro na descrição da cena; “o desgraçado” não estava sentado quando foi
atingido porque foi a mesma bala que foi disparada à queima-roupa que
estilhaçou o vidro. Se a moça estava em pé e o “desgraçado” sentado, o tiro
seria de cima para baixo e não chegaria ao vidro. Depois, a moça não poderia
ter andado por ali descalça por cima de estilhaços de vidro e não apresentar
cortes nos pés, nem sinais de sangue no chão por onde passou. Acresce que os
sapatos estavam alinhados por baixo do banco, em boa ordem e com estilhaços
por cima, sinal que sempre ali estiveram durante toda a cena. Também o corpo
da moça estava com estilhaços de vidro em cima, o que não seria natural se
ela tivesse sido a última a cair, como suportam os dois “artistas” da
mentira. Mais ainda quando estão de
acordo com a indumentária da moça e com o modo como ela se movimentou na
carruagem. Vestia roupa simples, muito justa, fez uma espécie de dança,
talvez sensual, quem sabe, deu uns passos em frente, na direcção
de um deles e… disparou! A menos que houvesse magia,
até porque os dois a seguiram gulosamente com o olhar, ao que afirmam, não há
espaço para uma arma. Como seria ilógico uma
pessoa que estivesse à beira de cometer um homicídio andar a chamar as
atenções com bailados exibicionistas e provocadores, como diziam. Quanto ao livro, não
confere o seu posicionamento com a história contada. Se a queda foi no final,
não era lógico que o livro estivesse por baixo do corpo, mas sim à distância,
debaixo de um banco, mesmo em cima dele. O livro caiu primeiro e logo depois o
corpo. Na verdade, a moça tinha de transportar
alguma coisa, pois ninguém viaja sem nada em viagens longas – ela
descalçou-se –, sem documentos ou bilhete, apenas com uma arma sem
esconderijo e um livro. Foram eles que fizeram desaparecer os seus pertences,
certamente para empatar a investigação, porque eles não poderiam saber que
ela ia ficar amnésica. Escapou o livro porque não estava à vista e não se
lembraram dele. O somatório de todas estas
pequenas coisas fornecem-nos a prova de que nada se terá passado como os dois
comparsas referem. A primeira vítima foi a
própria moça, agredida numa fase anterior, pela arma que mais tarde serviu
para matar e foi arremessada pela janela. Só assim se justificam as células e
cabelos dela. Uma vez caída no chão, fizeram desaparecer todos os seus objectos, a que terá escapado o livro por estar por baixo
dela. Outro factor
importante é o facto de ambos se precipitarem para a moça e nenhum deles ter
a curiosidade de ir ver – segundo eles – a vítima alvejada! É que a moça já
estava “desactivada”, atirara com a arma pela
janela, não representava qualquer perigo, pelo que seria lógico que se
debruçassem sobre o desgraçado e não sobre o agressor. E que dizer do facto de um
dos sobressaltados passageiros se lembrar de ver os dois comparsas a sacudir
os estilhaços de vidro de cima da moça? É que se trata de uma reacção imprópria que alguém se fosse preocupar com esse aspecto quando tinha pela frente um assassinado a sangue
frio e um assassino que caiu com estrondo. Eles perceberam que fizeram ao
contrário do que deviam e que nunca a moça deveria ter ficado por debaixo dos
estilhaços. Finalmente, um pormenor
importante, a amolgadela no cocuruto da cabeça não é compatível com uma queda
“redonda”. O cocuruto seria, mesmo, a zona menos provável para se aleijar
numa queda destas características… Da arma que serviu para o
crime nada nos é dito e, por isso, não temos que andar à procura de cápsulas
espalhadas pela carruagem. Poderia ser uma pistola, um revólver… Finalmente, o enigma maior,
que vai matar a cabeça de muitos “detectives”:
ANAQUICOÍNES! O Inspector
Fidalgo gostava de brincar com os nomes e sempre que podia fazia associações
de ideias. Lembrava-se da confusão que em miúdo sempre fazia entre o 2 e o N
(maiúsculo), quando manuscritos. Tinham o mesmo desenho, um em pé, outro
deitado, por assim dizer… Daí que ANA fosse para ele 121 (letra A, primeira
do alfabeto, logo, 1), precisamente a página que lhe chamou a atenção no
livro aberto… Depois, QUIC tinha a fonética de rápido em inglês, que Fidalgo
logo associou a “expresso”, ao expresso do livro e depois tinha as rainhas,
uma delas a própria Agatha Christie e a outra a que
estava amnésica, e aí o Fidalgo foi encontrar COÍNES, cuja fonética condiz
com o inglês QUEENS… E inglês porquê? Homenagem à escritora,
evidentemente!... “121EXPRESSORAÍNHAS”. Mas calma, “detectives”, esta parte final vai ser perdoada! Digamos
que o nome apareceu do nada ou de algo que muito diz ao Inspector
Fidalgo, mas que ele não quer partilhar… Uma palavra final para o
Ministério Público, que, pelos vistos, ainda não sabe de nada do que se
passou, nem suspeita. Esperar pelos exames médicos para quê? Não era óbvia a
inocência (pelo menos criminal) da nossa Anaquicoínes? Afinal, o Inspector estava em muito boa forma… |
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© DANIEL FALCÃO |
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