Autor Data 8 de Maio de 2005 Secção Policiário [721] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2004/2005 Prova nº 7 Publicação Público |
Solução de: A VINGANÇA Dic Roland A vidraça da montra foi
estilhaçada por duas pedras protegidas com serapilheiras, para amortecer o
som das pancadas. Mas quem teria atirado as pedras? Parece evidente que Luísa,
Berta, Zé da Púcara e António, por muito que desejassem vingar-se do Chico do
Anzol (cada um deles por motivos diferentes), não se arriscariam a uma tal
temeridade. E isso porque: 1) corriam o risco de
acordar os moradores da casa, isto é, o casal Candeias; 2) não podiam
assegurar-se de que ninguém passaria nas imediações, testemunhando o crime. Mas há ainda outros
pormenores a considerar: as pedras lançadas contra a vidraça poderiam
estilhaçá-la e destruir algumas peças dos serviços, mas nunca a totalidade
dos objectos expostos. Esta fúria de destruição
exigiria bastante tempo e só poderia ser levada a cabo dentro de casa, e
nunca do exterior. Assim, somente é razoável
suspeitar do Ti Candeias e de sua mulher, Josefa. Mas Candeias não estava em
casa quando Josefa regressou do seu frustrado passeio à fonte; e se, ao
voltar do jogo da sueca altas horas da noite, resolvesse espatifar a louça,
teria a mulher a censurá-lo… ou a colaborar com ele! Ora, nenhuma destas
hipóteses é razoável: quanto à primeira, porque havia o perigo da denúncia;
quanto à segunda, porque essa aliança é aberrante, face ao desentendimento do
casal e às razões que lhe deram origem. O facto de Candeias, ao
regressar do jogo, não ter dado por nada de anormal, deve-se ao percurso que
habitualmente faz: a Sociedade Recreativa fica na rua principal, e é nela que
entronca a travessa que vem do adro da igreja. O merceeiro percorre a
travessa até à porta de casa e não passa, portanto, pela frente da mercearia. Resta, pois, Josefa, a quem
não faltam razões para tamanha fúria: sente-se ferida no seu amor-próprio,
pelo manifesto desinteresse do Chico do Anzol; depois de ter ouvido a
resposta de Luísa ao António, julga que Chico irá à fonte para se encontrar
com Luísa, e não com ela; a destruição dos serviços não a prejudica
materialmente, pois trata-se de um valor que, de direito, só pertence ao
Chico; os danos morais que, porventura, possam recair sobre o marido, pouco
ou nada a preocupam… Ao chegar a casa, e
sabendo-se sozinha, fecha as persiana protectoras da vitrina, esmaga rapidamente a louça e os
vidros, decerto com a utilização de cobertores para amortecer os golpes e,
por fim, pega em duas pedras (que já trouxera da rua), envolve-as em
serapilheiras que tem na arrecadação e sai então à rua, depois de abrir a
persiana da montra. Certifica-se de que ainda é cedo para o marido chegar do
jogo, dá uma vista de olhos pelo adro e pela viela; e, segura de que não há
vivalma pelas proximidades, atira então as pedras
que vão anichar-se entre os cacos, depois de espatifar a vidraça!... Vai,
finalmente, para o seu quarto, no primeiro andar. Quando o marido chega, uma
hora depois, já ela dorme a sono solto, gozando, em sonho, as delícias
daquela desforra!... |
© DANIEL FALCÃO |
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