Autor Data 10 de Abril de 2005 Secção Policiário [717] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2004/2005 Prova nº 5 Publicação Público |
Solução de: CRIMOCÍDIO A. Raposo Eis as declarações ou as
revelações do morto, da Nelinha, do Avlis e do
computador: A carta enviada para o
“Público”, assinada pelo Detective Tempicos, apresenta-o pessimista em relação às suas
capacidades mentais. Informa-nos também de que a Nelinha lhe tinha fugido de
casa. A Nelinha, por seu lado, declarou que se foi embora devido ao facto de Tempicos estar a perder qualidades e a ganhar defeitos,
isto depois de uma pequena discussão, sem rancor. Até aqui nada de especial. A carta, porém, já estava
escrita antes da Nelinha sair, no sábado, 30 de
Outubro, cerca das 15h00. Foi ela que o disse. Avlis, na sua informação à polícia, não
confirmou e até desmentiu que Tempicos estivesse
deprimido ou fosse pessoa dada ao suicídio. Disse ainda ter discutido com ele
as classificações e a perda de um ponto no campeonato do Público-Policiário.
Ora, esta discussão não teria sentido se Tempicos
tivesse a intenção de se matar a seguir. Avlis
também não mencionou qualquer carta que Tempicos
estivesse a escrever, nem se referiu a qualquer desentendimento entre o detective e a Nelinha. Corolário nº 1: Quem
escreveu a carta dá a fuga de Nelinha como facto consumado, quando esta
saída, segundo a própria Nelinha, ainda não ocorrera. Corolário nº 2: O que diz a
carta não corresponde ao estado de espírito de Tempicos,
segundo Avlis. Às 14h15 Tempicos enviou um mail a um
amigo, o que Avlis confirmou. O respectivo
texto, recuperado do computador, dizia que o detective
alterara um encontro, a realizar no dia seguinte, para daí a uma semana. Corolário nº 3: Não se
espera que uma pessoa que tenciona pôr fim à vida se preocupe em remarcar um
encontro que sabe ir falhar. A Nelinha disse que, na
manhã de sábado, andou a limpar o relógio e que aproveitou para o acertar
pela hora de Inverno, conforme o “Público” daquele dia recomendava. Mas lá em
casa só entrava o “Público” aos domingos, por causa do Policiário, e nem ele
nem ela tinham saído à rua naquele dia. Temos assim uma mentira aparentemente
escusada da Nelinha. Mas, se nos lembrarmos que ela deixou impressões
digitais nos vidros do relógio, percebemos esta contradição. Corolário nº 4: A Nelinha
enredou-se numa mentira sobre a mudança das horas para justificar as
impressões digitais nos estilhaços do vidro do relógio, impressões essas que
ela, tarde demais, viu ter-se esquecido de apagar. Outra questão bem
importante que se coloca é a seguinte: Como é que a Nelinha sabia que houve
um tiro e ainda uma bala que provavelmente estragou o mecanismo do relógio? Corolário nº 5: A Nelinha
só pode ter sabido que houve um tiro e uma bala no relógio porque assistiu ao
facto. E tudo começa a encaixar em
desfavor da Nelinha. Na carta enviada para o
“Público” está escrito: “Ponho esta carta hoje ou amanhã no correio, a seguir
meto uma bala na cabeça.” Quem escreveu a carta ainda não tinha a certeza de
quando iria actuar? Se a Nelinha já tinha saído de
casa, porquê esperar mais tempo para acabar com a vida? Corolário nº 6: Vê-se que a
carta não deve ter sido escrita por Tempicos, como
já se descortinava no corolário n.º 1, e ganha corpo a ideia de que só a
Nelinha a podia ter redigido. Os acessos a casa e o cofre
aberto: Não podemos pensar que
tenha sido um assaltante do exterior que tivesse entrado na casa, roubado Tempicos e fugido. A porta da casa não estava
arrombada. O cofre tão pouco. A entrada pelo quintal, dada a protecção existente, era praticamente impossível, não
obstante a janela se encontrar sempre aberta. Corolário nº 7: Só pode ter
sido alguém da casa a praticar o roubo. A hora a que parou o
relógio e mudança da hora de Verão para Inverno: É indiferente saber-se se
as 12h00 marcadas pelo relógio seriam as de Verão ou de Inverno. Este aspecto, embora tivesse preocupado os investigadores,
mostrou-se irrelevante. O que sabemos é que essas doze horas ocorreram,
necessariamente, às 24h00 de sábado, se o relógio não foi previamente
atrasado ou à 1h00 de domingo se o relógio foi atrasado, ou ainda, de acordo
com a mesma alternativa, às 11h00 ou às 12h00 de domingo. As luvas do morto: Por que razão teria Tempicos calçado luvas para se matar? E, sendo canhoto,
por que é que a luva direita é que estava com resíduos de pólvora? Corolário nº 8: As luvas
não serviram a Tempicos para se suicidar, mas, com
certeza, serviram a outra pessoa para o liquidar e depois fazer crer que fora
ele a matar-se. A empregada: Não há qualquer suspeita
sobre ela. Não teria acesso à combinação do cofre. Era de confiança, visto
ter a chave da casa. Talvez nem soubesse das moedas. Avlis: Saiu antes da Nelinha. Ela
forneceu-lhe um álibi. Não poderia ter roubado as moedas e deixado o cofre
aberto. Seria denunciado pela Nelinha. Nelinha: Terá a Nelinha assistido
tranquilamente ao suicídio de Tempicos, conforme
descrito na carta, julgando que ninguém desconfiaria dela? Foi ele que lhe
pregou desta maneira uma terrível partida? E as contradições em que Nelinha
entrou terão sido consequência apenas de uma defesa atabalhoada quando
pressentiu que a polícia a podia acusar de crime? Terá Tempicos
chegado ao requinte, entre outros, de se suicidar com a mão direita e de
luvas calçadas para que a Nelinha fosse incriminada? Tudo isto parece altamente
inverosímil, mas não é impossível. Com todas as avassaladoras provas contra
Nelinha nunca deveríamos condená-la sem interrogatórios complementares e uma
investigação mais completa. Mas não nos restam dúvidas
de que temos dados suficientes para que a Nelinha seja constituída arguida
como autora material da morte de Tempicos. E foi
isto que o Inspector Fidalgo descobriu naquela
noite antes de adormecer. Como se terá passado o
caso: Nelinha queria abandonar Tempicos e aproveitar para lhe roubar as valiosas moedas
de ouro. Conhecia a combinação do cofre por ter visto Tempicos
mais de uma vez a abri-lo. Sabia também onde ele guardava a arma. Encenou então o crime, de
acordo com a descrição feita na carta enviada em nome de Tempicos,
para fazer crer que se tratava de um suicídio. Utilizou umas luvas de Tempicos, para disparar sobre ele e depois calçou-as à
própria vítima para, pelos resíduos da pólvora, não ficarem dúvidas de que
fora ele a matar-se. Por acaso a bala foi acertar no relógio. A inesperada
situação levou-a a examinar os estragos, depois do que concluiu ser natural a
bala ir parar nalgum sítio, pena só ter sido naquele belo relógio que ela
tanta pena tinha de não poder levar. Abriu o cofre, tirou as
moedas e deixou-o aberto para simular um roubo, já que a janela também tinha
de ficar aberta. Saiu para a rua e fechou a porta, como convinha. Tudo o que Nelinha se
esqueceu ou não previu convenientemente foi analisado atrás. |
© DANIEL FALCÃO |
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