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A ALEGRIA DAS PEDRINHAS Peter Pan Johnny
despertou ao sabor da brisa da manhã e da maré que subia na areia da praia. Não lhe
ocorreu nada nesse lento acordar. Reclinou um pouco para cima o corpo deitado
e limitou-se a olhar em redor. Por fim fitou a linha do horizonte e a
imensidão de céu e de mar à sua frente. O murmúrio das ondas era um rumor
agradável e no zénite o Sol já ia alto. Onde estaria? Estranhamente não se
lembrava de nada, de onde vinha e quem era. Mas esse facto não pareceu
preocupá-lo. Era como se voltasse a ser criança de novo e recomeçasse os seus
passos neste mundo outra vez. Sentia-se leve e tranquilo e havia um bem-estar
ali, naquele momento, de que ele não se lembrava alguma vez ter sentido.
Pôs-se de pé e começou a caminhar, descalço, na areia da praia. Olhou de novo
para todos os lados, agora já completamente desperto. Do lado direito apenas
o oceano, primeiro o recife de águas rasteiras e de um azul
marinho brilhando em remoinhos à luz do Sol; mais ao longe orlando a
costa, o azul escuro do mar profundo. Daquele lado e
para a frente e para trás, nada mais a não ser o Céu, o Sol e o Oceano.
Johnny olhou então para o lado esquerdo e viu uma paisagem difícil de
descrever. As sensações que perpassaram pelo seu ser foram igualmente
estranhas de descrever; por um lado essa impressão única de estar longe,
muito longe de casa, onde quer que ela fosse; outra era a de ter estado ali
algures noutro tempo. Havia um recorte de montanha vulcânica que se impunha
por entre a densa vegetação um pouco por todo o lado. Havia uma atmosfera
tranquila, havia rumores de pássaros e aves pelo ar no pano de fundo que era
o rumor do oceano. Era como se aquele local tivesse estado ali sempre à sua
espera e Johnny tivesse finalmente a oportunidade de ir ao seu encontro.
Naquele momento, sem se lembrar de quem era ou de onde viera, sentiu-se
feliz. Não se lembrava de se ter sentido feliz assim. Sem se dar conta um
largo sorriso de bonomia preencheu o seu rosto. Apesar de não saber o que
fazia e como chegara ali, o seu estado de espírito era de total
apaziguamento. Não havia passado nem futuro. E no entanto lembrou-se do medo,
da insatisfação, das dúvidas que com ele sempre viveram. Mas ali nada disso
havia, sabia que podia confiar naquele Deus, na beleza das coisas, na alegria
que transbordava dentro de si. Sempre fora um ser de emoções, mas a
sensibilidade trouxera o medo também, o defender-se de tudo o que lhe podia
fazer mal nunca lhe permitira realmente libertar-se. Amava o estar vivo e
ainda o poder partilhar com os outros essa alegria. Finalmente
chegara ao topo da montanha. E o que para Johnny era simplesmente mais
desconcertante naquele lugar era a candura do estar, a inocência do olhar, a
confiança inabalável de sorrir. Johnny agachou-se por momentos, respirando
levemente. As ondas do mar subiam na areia molhada; havia uma infinidade de
despojos trazidos pela maré, entre os quais uma colecção
multicolor de conchas e pedrinhas. Johnny ajoelhou-se e começou a senti-las,
uma a uma, tal qual fossem pedras preciosas. Naquele momento, o mundo ficou
em suspenso e estava preso nas suas mãos. O Sol veio brincar e fez as
pedrinhas esvoaçarem num mágico cintilar. Johnny quis ficar ali para sempre,
como se fosse um pescador de pedrinhas. Poderia apanhá-las, escolhê-las, por
dias a fio, até, quem sabe, encontrar a pedra perfeita. Então deixar-se-ia
adormecer, como se lhe contassem uma história antiga de mil anos, do
princípio dos tempos e embalado pelo singelo rumor do oceano embarcaria
docemente rumo à eternidade. Fontes: Blogue Repórter de
Ocasião, 1 de Junho de 2025 Borda
D’Água do Conto Curto, Edições Fora da Lei, Ano de 2019 |
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© DANIEL FALCÃO |
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